Especial

Mateus Sartori a e Canção Mogiana

Por Daniel Brazil - 24/09/2009

Nesse país tão servido de cantoras, as vozes masculinas que chegam às ondas do rádio ou às gravadoras são minoria na música popular de raiz mais brasileira. O samba ainda tem a tradição dos puxadores de escola (Jamelão odiava esse termo!), que não costumam primar pela sutileza. Ali vale mais a força dos pulmões. Depois de João Gilberto criou-se uma regra não escrita de que quem tem vozeirão deve ficar longe dos microfones. E temos os sertanejos, a única praia musical onde a proporção se inverte.

Antes que alguém me lembre de Caetano, Gil, Milton, Melodia, Djavan, Ivan Lins, João Bosco, etc, quero frisar que não me refiro aos autores que cantam sua própria obra, na maioria das vezes por sobrevivência financeira. Falo dos cantores-intérpretes, que se entregam ao microfone com a dedicação de um Ney Matogrosso, Emílio Santiago, Zé Renato, Marcos Sacramento, Zé Luiz Mazziotti, Carlos Fernando ou Renato Braz.

Este último, aliás, é um dos incentivadores de Mateus Sartori, o moço de Mogi das Cruzes que deixou a arquitetura pra virar cantor. Depois de um elogiado CD de estréia (Todos os Cantos, Tratore, 2006), resolveu montar um dos mais belos songbooks já lançados nestas plagas, homenageando Caymmi (Dois de Fevereiro, Tratore, 2007).

A crítica se derramou em elogios. Músicos consagrados, como Guinga, Ivan Lins e Chico César, confirmaram a impressão inicial. Estávamos diante de uma das mais belas vozes masculinas reveladas neste século. Porém (ah, porém...), Mateus não cabe no figurino pré-moldado das grandes gravadoras, nem se submete à mediocridade radiofônica em busca de sucesso.

Há um cérebro e uma sensibilidade especial por trás desta voz. E depois de dois CDs, resolveu devolver a Mogi das Cruzes o carinho que sempre recebeu desde que começou a cantar, ainda adolescente, no coral da Universidade local.

Sartori saiu anotando e registrando os compositores mogianos de todas as gerações. Profissionais ou semi-amadores, conhecidos ou desconhecidos. Pesquisou mais de 200 músicas, e foi gravando devagar, com a atenção e o cuidado de quem estudou canto erudito e popular, além de regência coral.

Doze canções foram escolhidas para o CD Barroco, recém-lançado. A qualidade musical é espantosa. Esparramado em diversos gêneros, temos uma amostragem de alto nível melódico e poético. Onde se escondiam estes compositores admiráveis, antes de Mateus Sartori? Este é um dos dilemas culturais brasileiros, e deve se repetir em outros pontos do país. O pessoal do Norte e Nordeste que reclama da distância de São Paulo para chegar ao sucesso pode conferir no mapa: Mogi das Cruzes é município vizinho, o que não é garantia de nada. O esquema da mediocridade radiofônica não tem fronteiras.

Eu falei de CD, mas o trabalho de Mateus é muito maior. Saiu à cata de patrocinadores e criou o projeto Vila de Sant’Anna, que pode ser conhecido no sítio http://mateussartori.com.br/vila_santanna/, onde se encontram informações históricas e culturais sobre a região. Mais que isso: ali o CD Barroco pode ser baixado integralmente, com capa e créditos!

O cantor produziu, fez a direção musical e dividiu os arranjos com o violonista Jardel Caetano, em companhia de ótimos músicos. Tem samba, moda, baião, toada e até um empolgante samba-enredo. Difícil é dizer qual a obra mais bonita, nesse consistente conjunto de canções tão universalmente brasileiras. Um trabalho que merece ser ouvido, baixado, copiado, divulgado e aplaudido, por tudo o que significa.