Especial

Maria Alcina, Confete e Serpentina

Por Daniel Brazil - 04/05/2009

Uma das figuras mais interessantes - e infelizmente pouco valorizada – do cenário musical brasileiro é a cantora Maria Alcina. A mineira de Cataguazes que sacudiu o Maracanãzinho em 1972, interpretando Fio Maravilha, de Jorge Benjor, é difícil de classificar.

Pós-tropicalista, carnavalesca, transgressora, performática? Tudo isso, e também subversiva. Pelo menos assim achavam os censores da ditadura militar, que proibiram sua presença no rádio e na televisão, em meados dos anos 70.

Maria Alcina passou bom tempo longe da mídia. Sobreviveu cantando em churrascarias, boates, cabarés e trios elétricos, sem perder o bom humor. Retornou à mídia nos anos 80 com alguns sucessos da música brega, como Bacurinha ou Prenda o Tadeu, mas sempre manteve um pé firme na tradição das marchas de carnaval, que surgem renovadas na sua voz marcante de contralto.

Voz só, não. Vozeirão. Maria Alcina surgiu original, sem imitar ninguém. Quando homenageia cantoras como Marlene, Emilinha Borba, Aracy de Almeida ou Carmen Miranda, o faz de forma muito pessoal. Foi assim que regravou sucessos como Alô Alô (André Filho), Como Vaes Você (Ary Barroso) ou Maria Boa (Assis Valente). Também brilhou nas paradas com canções contemporâneas como Kid Cavaquinho (Bosco/ Blanc) ou Folia no Matagal (Goes/ Dusek).

Defendendo uns trocados como jurada de televisão, Maria Alcina teve uma virada na carreira em 2003, quando foi convidada para o encontro Com:tradição no Sesc Pompéia, em São Paulo. Ali cantou com o grupo Bojo (formado por Mauricio Bussab, Fe Pinatti, Du Moreira e Kuki Stolarski), ligado à música eletrônica. A inesperada química surgida entre eles fez com que entrassem em estúdio para gravar o CD Agora (Outros Discos/ Tratore, 2003), que teve boa acolhida da crítica e revelou a cantora para um novo público, jovem e alternativo. Em 2004 fizeram uma aplaudida apresentação no festival RecBeat, de Recife, consolidando a parceria.

Mauricio Bussab produziu com capricho o novo trabalho (Maria Alcina Confete e Serpentina, Outros Discos/ Tratore, 2008), que chegou recentemente às lojas em formato CD, embora circulasse virtualmente pela Internet há algum tempo. Como de costume, a cantora faz uma mistura inclassificável. De consagrados como Paulinho da Viola, Tom Zé, Lô Borges e Sérgio Sampaio até novos autores como Wado, Ronei Jorge e Adalberto Rabelo Filho, do grupo Numismata, que compôs para ela a ótima faixa que nomeia o CD.

E não pense que se trata de um disco de marchinhas de carnaval, como o nome sugere. A tensa Roendo as Unhas (Paulinho da Viola) abre o disco e sugere um clima que é mantido em canções como Açúcar Sugar ou Não Para: base eletrônica, com ritmos entrecruzados e timbres sombrios. O confete surge em canções como Cachorro Vira-Lata (deliciosa releitura de um velho sucesso de Alberto Ribeiro), Espaço Sideral e Das Tripas Coração, mesclado com bossa nova (O Drama) e paisagens lounge (Regador). A clássica Eu Quero Botar o Meu Bloco na Rua ganha um arranjo disco inusitado, provando que Maria Alcina é, sim, uma das mais surpreendentes cantoras deste país. E se explica (?), na faixa-título: “Porque alguém tem que fazer o que é preciso/ invadir o inconsciente coletivo”.