Especial

Luiza Dionizio: valeu a espera

Por Luís Pimentel - 23/02/2010

Na contramão da eterna busca do novo no mercado fonográfico brasileiro, que volta e meia promove estréias precipitadas, a profissionalíssima cantora Luiza Dionizio cozinhou os admiradores (público cativo de suas apresentações nos palcos do Carioca da Gema, do Centro Cultural Carioca, do Trapiche etc) em banho-maria o quanto pôde – esperando a hora de fazer um disco à altura de seu prestígio, de sua elegância e de sua voz, este inspirado e luminoso Devoção.

O tempo de maturação serviu para que a intérprete e seus diretores artísticos Paulão 7 Cordas (também diretor musical) e Fátima Guedes montassem um repertório impecável, juntando canções consagradas de autores idem a outras menos conhecidas, bem como parcerias que resultaram em momentos impecáveis, a exemplo de Wanderley Monteiro e Nelson Rufino (Tempos depois, uma obra rara e linda), Luiz Carlos Máximo e Luiz Carlos da Vila (Vila do meu coração) e Evandro Lima e Toninho Nascimento (Mar de jangada).

Definida pelo jornalista Hugo Sukman como “a maior cantora inédita em disco do Brasil” (hoje não mais, claro), Luiza canta com uma espontaneidade invejável e cativante. A busca do espontâneo parece ter sido, também, critério adotado por ela ao escolher as músicas do seu disco. O toque está presente nos versos e nas melodias de poetas e de compositores refinados como Delcio Carcalho (em comovente homenagem ao Império Serrano, chamada Jardim das oliveiras), Paulo César Pinheiro (que se juntou a Luiz Carlos Máximo para merecido afago no parceiro Aldir Blanc, com Velho amigo – “Os nossos versos podem não ser gêmeos/Mas com certeza são irmãos de sangue”), o merecidamente superelogiado Roque Ferreira (unindo forças com Toninho Gerais em Preceito), além do bom e velho Elton Medeiros (que assina, em parceria com Clóviz Beznos, Último verso).

Devoção abre com a regravação de uma obra-prima da MPB (esquecida, como tantas), Pensando bem, registrada em disco no começo dos anos 80 por Martinho da Vila (autor, em parceria com João de Aquino), com o definitivo verso “Irmão, a gente não tem mais o que comer”, para fechar despertando na gente a saudade do querido Luiz Carlos da Vila e de sua poesia sem peias: “Quero viver em ti, de noite ou de manhã/Sentindo o calor dos seus braços de lã” (Braços de lã).

2010 mal começa, mas para quem ouviu este disco começa bem. Para mim, surge o primeiro candidato a melhor CD do ano.