Especial

Kleber Albuquerque, um desvio do lugar comum

Por Daniel Brazil - 18/07/2007

Nos anos 90, entre as ondas incertas do rock brasileiro e a poesia mais elaborada da MPB, um músico de Santo André começou a chamar a atenção dos mais ligados. Tocou com a banda Palhaço em muitas baladas e roubadas do ABC paulista, até lançar seu primeiro disco solo, com o intrigante nome de 17.777.700.

O RG de Kleber Albuquerque, fruto do acaso, acabou simbolizando seu gosto pela surpresa, pela rejeição do lugar comum em favor da invenção. Sincronicidade, diria Jung. A canção “Barriga de Fora” foi sucesso em círculos alternativos, com sua doce/amarga lembrança infantil:

Mãe,
Por que não me deixaste a vida inteira
Com lã no umbigo, de castigo, na soleira
Roendo unha e falando palavrão?

Canções com nomes insólitos como Balada da Tarde Fria com Alicates ou A Valsa de Um Velho com um Pregador na Orelha confirmavam o talento excêntrico do jovem compositor. Em 2000 classifica a canção “Xi, de Pirituba a Santo André”, parceria com Rafael Alterio, no festival promovido pela rede Globo.

O segundo CD (Para Inveja dos Tristes, Dabliú Discos, 2000) manteve a escrita. “Galope do Olho Seco”, “A Ópera do Rinoceronte”(com Madan) e Uns Dez Amantes, acrescentam títulos estranhos à sua produção. O disco marca também a parceria com Elio Camalle, outro inquieto criador da cena musical paulista.

Participa do projeto coletivo Umdoumdoum em 2001, e dois anos depois lança o alternativo “Faça Virar Música”, com capa feita artesanalmente de retalhos de pano. A idéia da capa de tecido é repetida no ultra-alternativo (apenas cem exemplares!) Faça Virar Música 2, com a mãe do artista sendo convocada para executar a tarefa de embalar o CD.

O trabalho seguinte (O Centro Está em Todas as Partes, Trattore, 2004) evidencia uma transição. Kleber regrava algumas canções, canta outras inéditas, suaviza a entonação, sofistica o toque violonístico. A voz parece a de um Antônio Nóbrega, sem o sotaque nordestino. Amplia a distância do rock, embora admita que esteja impregnado da herança inconformista punk do ABC onde cresceu.

O mais recente CD (Desvio, Sete Sóis, 2005) revela maturidade musical e poética. O ousado projeto gráfico (as páginas são presas por espiral) reafirma a amplitude de seu horizonte estético. As letras estão entre o que de melhor se produz na música brasileira contemporânea.

Desviando-se com habilidade do lugar comum, Kleber cinzela versos como “olha o céu desestrelado/ cor de fita isolante” (Brasa), “arrastando os olhos feito sandálias” (Maluca) ou “quero distância da ausência dessa mulher” (Essa Mulher). A divertida Copacabana brinca com a dualidade Rio/São Paulo: “Sua praia já não é a minha onda/ Sua bossa é minha Ronda”. De quebra, registra a composição mais cruel já escrita nestes trópicos, a Canção do Cãozinho Esaú. Os amigos pedem para que não toque nos shows para que criancinhas (e adultos) não comecem a chorar...

Novos parceiros, como Tata Fernandes e Zeca Baleiro, têm agregado valor à carreira do andreense. Quando autografa seus discos, Kleber costuma citar Nietzche: “Tudo que é reto mente!”. Filho de operário que estudou música e cita Baudelaire nas suas letras, fã de circo, palhaços e malabaristas de semáforo, continua a surpreender o público. Olho nele!