Especial

Izaías, um bandolim fazendo história

Por Daniel Brazil - 18/05/2007

Outro dia, numa conversa de bar, após uma ótima apresentação do trio Mandando Bala, o papo girou sobre o choro paulista. Grandes nomes do passado foram lembrados. Falamos de Canhoto, Zequinha de Abreu, Garoto, Esmeraldino, o velho Carrasqueira (conhecido como o Canarinho da Lapa), Copinha, Rago, Evandro e alguns outros. Lembramos da tradição de grandes acordeonistas, da influência dos operários italianos e espanhóis. Claro que cada um tinha suas preferências, mas houve uma unanimidade: Izaías Bueno de Almeida.

Izaías do Bandolim, como é conhecido, é craque absoluto no seu instrumento. Já tocou com meio mundo da MPB, da velha guarda a mais nova geração. Acompanhou muitas vozes, solou com orquestras sinfônicas. Não é à toa que Paulinho da Viola, em recente temporada paulistana, fez questão de colocar Izaías no palco. A melhor tradição da música instrumental brasileira passa por seu bandolim, fluindo com impressionante naturalidade.

Izaías é o representante do Instituto Jacob do Bandolim, em São Paulo, e não por acaso. Com 10 anos começou a tocar; com 15 já tocava em grupos regionais, em programas de rádio; em 1957 foi apresentado por Jacob na “Noite dos Choristas”, passando a ser considerado o maior bandolinista de São Paulo.

Nos anos 60 tocou em famosos programas da Record, como O Fino da Bossa e Bossaudade. Com a invasão da bossa-nova, do rock e da jovem guarda, o choro entrou em baixa, e Izaías gravou até canções dos Beatles, mas sempre em arranjos chorísticos.

Nos anos 70, ficou conhecido pela participação no memorável Conjunto Atlântico, fundado pelo violonista Antonio D’Auria, que animava o programa “O Choro das Sextas-feiras”, da TV Cultura. O sucesso foi tanto que ficou quase dez anos no ar. Muitos músicos que hoje brilham em nossos palcos cresceram ouvindo os virtuosos solos do bandolinista pela televisão. O grupo recebeu o prêmio APCA, em 1974, como revelação. Nessa época Izaías foi considerado o melhor do Brasil pelo temido crítico José Ramos Tinhorão.

É também neste período que funda o seu próprio grupo, “Izaías e seus Chorões”, contando com o apoio de seu irmão Israel, respeitado instrumentista do violão 7 cordas. Participa de outros programas, como o “Ensaio”, acompanhando nomes célebres da música brasileira, e se destaca também como compositor e arranjador.

No começo dos anos 80 lança o premiado LP “Pé na Cadeira”, onde grava peças raras dos pioneiros do choro. Relançado em CD pela Kuarup, em 1999, ainda se encontra em catálogo, e é uma verdadeira aula de música instrumental. Neste mesmo ano grava o premiado “Quem Não Chora Não Ama”, com o grupo Entre Amigos. O repertório vai de Laurindo Almeida a Canhoto da Paraíba, passando por Johnny Alf, Pixinguinha e, claro, o mestre Jacob.

Mais recente é o CD Moderna Tradição (Núcleo Contemporâneo, 2004), onde Izaías esmerilha suas oito cordas junto ao piano de Benjamin Taubkin, os sopros de Proveta e a percussão de Guello, além do mano Israel. O repertório, recheado de clássicos, é escovado e penteado de forma moderna, ganhando novas nuances. Ouçam Gotas de Ouro, de Ernesto Nazareth, e sintam a beleza da homenagem que o impetuoso Izaías faz a Jacob, relembrando sua maneira sutil de interpretar essa linda valsa chorada.

Antológico é o CD triplo “O Choro e Sua História” (CPC-Umes, 2005), onde os dois irmãos capitaneiam uma legião de músicos de primeira linha numa leitura dos autores mais representativos de todos os tempos (e compassos, e intervalos) do choro. Obra de grande valor didático, sem deixar de lado o prazer de se ouvir música bem tocada.

O homem é assim. Enorme talento, repertório inesgotável, fiel depositário do imenso patrimônio musical que é o choro. De vez em quando reclama que a nova geração não lembra dele. Bobagem. A unanimidade a que nos referíamos na mesa do bar é exatamente esta: É o maior chorão paulista em atividade. Qualquer músico da nova geração sabe disso.