Especial

A história de uma melodia sentimental

Por Daniel Brazil - 12/09/2011

Heitor Villa-Lobos é reconhecido mundialmente como o maior compositor brasileiro no campo da música de concerto. Mesmo tendo estudado na Europa e composto sinfonias, óperas e quartetos, era apaixonado pela música popular brasileira, tendo percorrido o país anotando canções folclóricas, cirandas, cantos de trabalho, sambas e choros.

Suas peças para violão são uma tentativa de síntese entre o mundo da alta cultura e da musicalidade de extração popular. De forma engenhosa, ele intuiu que as linhas de baixo do choro tinham a ver (e a ouvir) com a estrutura básica da música ocidental, sintetizada por Bach. Daí surgiram as Bachianas, cujo exemplo mais célebre talvez seja a Ária da Bachiana n. 5, onde os violoncelos simulam, com um pizzicato, a “baixaria” típica dos violões seresteiros.

Modernista de primeira hora, Villa-Lobos gostava de cinema. Foi um dos primeiros compositores brasileiro a compor trilhas especialmente para a arte “industrial” do século XX. A peça “Descobrimento do Brasil” foi encomendada pelo cineasta Humberto Mauro, em 1936, e apresentada no Festival de Veneza dois anos depois. Villa participou inclusive do filme Alô, Amigos, de Walt Disney, em 1940.

Nos anos 50, recebeu a proposta de compor a trilha do filme Green Mansions, de Mel Ferrer, estrelado por Audrey Hepburn. O filme, inicialmente previsto para ser dirigido por Vincent Minelli, foi um fracasso. As peças do brasileiro foram muito cortadas, e a canção principal ficou a cargo de BronislawKaper. Insatisfeito, Villa reaproveitou os temas na cantata A Floresta do Amazonas.

Umas das peças, Canção Sentimental, logo chamou a atenção de sopranos em todo o mundo. A suave serenata, com letra de Dora Vasconcelos, chamou a atenção de músicos populares. Nos anos 60 Elizeth Cardoso incorpora de forma definitiva o adjetivo de “Enluarada” ao gravar a canção do mestre, criando um parâmetro de interpretação mais quente, distante do bel canto.

De lá pra cá, existem vários registros. Escolhemos aqui três, para dimensionar a grandeza dessa melodia. Na primeira, ouvimos versão instrumental, sem letra.

Nos anos 90, Zizi Possi gravou uma das mais belas interpretações de sua carreira no disco Mais Simples (1996), com um arranjo inovador de Benjamin Taubkin.

É um dos pontos mais altos da carreira desta grande cantora.

Outras versões se sucederam. Homens se arriscaram na difícil missão de competir com as sopranos. Ney Matogrosso, Djavan (na trilha do filme Deus É Brasileiro), João Bosco...

Outras cantoras, como Olívia Byington, buscaram uma reaproximação com o canto lírico. Mas em 2003 a contralto Maria Bethânia encara o desafio e transforma a canção de Villa-Lobos quase numa canção de ninar. Num tom maternal, acompanhada apenas pelo violão delicado de Jaime Além, dribla o paradoxo de nos convidar a dormir com uma letra que clama por um despertar. Para mim, a mais arrepiante interpretação da canção do grande Villa. Coisa de bruxa, fazer o que?