Especial

Gil 2012

Por Daniel Brazil - 21/01/2013

Já falamos aqui na Revista Música Brasileira da impossibilidade de acompanhar todos os lançamentos musicais, shows, vídeos, CDs, DVDs, relançamentos, revelações e decepções que fazem parte do universo musical brasileiro.

Ano vai, ano começa, e novamente temos a impressão de que um monte de coisa boa ficou pra trás, sem comentários. Perdemos alguns bondes, subimos em outros, e quem vai saber qual era o próximo? Só quem ficou marcando no ponto...

Sempre me intrigou o fato de que um colunista de música não pode falar de um disco do ano anterior. Ou de dez anos, mas que ele ouviu ontem. Tempo, tempos. A internet virou o lugar para isso, sem patrão nem compromisso. Mas, “quem lê tanta notícia?”

Resolvi começar 2013 falando de alguns lançamentos de 2012, que ganhei de presente no Natal. Gente, onde eu estava que não comprei, ouvi ou assisti o show de Gil, “Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo”? Provavelmente preocupado, todo dia, com “a herança, a segurança, a garantia pra mulher, para a filhinha, pra família.”

O baiano entrou na fase de retomar, de forma retrospectiva, sua grande, bela e desigual obra. Depois de homenagear Bob Marley, Luiz Gonzaga e outros bambas, era hora de homenagear o mutante Gilberto Gil. 

Primeiro veio o CD Luminoso, de 2006, gravado só com voz e violão. Um balanço digno e emocionado, que poucos ouviram. O CD não vendeu muito (aliás, pouquíssimos CDs de MPB vendem hoje em dia...). E em 2012, Gil se juntou à Orquestra Petrobras Sinfônica e saiu em turnê pelo Brasil. O show foi gravado e virou este disco, de nome aparentemente incongruente. Não há “máquinas de ritmos” em destaque no CD. A relação homem-máquina está representada nas letras, escolhidas a dedo para ilustrar o conflito da alma com a tecnologia. Temática que Gil aborda desde Lunik 9, bela canção do tempo dos dinossauros (anos 60), que poderia perfeitamente estar aqui. 

Predominantemente acústico, Gil enfileira canções de diversas épocas. Desde a remota Panis et Circenses até a canção que abre o show/disco (Máquina de Ritmo), passando por obras menos batidas como Futurível ou Quanta. A voz já não está perfeita, sente o passar dos anos. Mas a emoção enxuta, límpida, está lá, em Oriente, Estrela ou Andar com Fé. 

A nova interpretação de Domingo no Parque ousa, finalmente, romper o paradigma orquestral do mestre Rogério Duprat, obra prima da Era dos Festivais dos anos 60. É a canção que fecha o CD. Antes disso, Gil presta homenagem a suas maiores influências: Luiz Gonzaga (Juazeiro, em belíssima versão), Tom Jobim (Outra Vez) e um bolero do cubano Osvaldo Farres (Tres Palabras), que acaba sendo a faixa mais fraca do Gil-intérprete.

O momento mais intenso, dramático, do show é a confessional Não Tenho Medo da Morte, em versão minimalista. A canção é reduzida ao osso, apenas uma corda vibrando solta e uma percussão cardíaca. Gil começa uma oitava abaixo de seu tom natural, pronunciando as palavras de forma gutural. Na terceira estrofe retoma a altura de voz mais confortável, porém o acompanhamento esquálido permanece. Não se ouve um pio da plateia, apenas o estrondoso aplauso final. Momento sublime, uma canção que as novas gerações deveriam ouvir muito para entender o que é ser confessional sem ser rasteiro ou prosaico. Há que buscar a transcendência, sempre, para atingir o estado da arte.

A Orquestra Petrobras segue obedientemente os arranjos de Jaques Morelenbaum, sem jamais ofuscar o protagonista. Discreta, sublinha com elegância momentos como Juazeiro, Panis et Circenses, Oriente ou La Renaissance Africaine, cantada em francês por Gil (como sempre, desde que foi composta). 

Enfim, um disco para se ouvir muitas vezes. Balanço incompleto, um pequeno recorte da obra de um artista fulgurante, contraditório, genial, político, reverente, deslumbrado (às vezes) e deslumbrante. Gil é o que todo iniciante deseja ser um dia: músico exímio, compositor inspirado, intérprete perfeito das próprias canções e capaz de se reinventar até virar a perfeita tradução de seu tempo. O nosso tempo.