Especial

Elton Medeiros, o nome de respeito

Por Julio Cesar de Barros - 06/08/2010

(Veja.com / Blog Passarela)

Aos 80 anos, Elton Medeiros é discreto e elegante. Se veste de modo sóbrio, fala bem, é inteligente e informado. Elton é respeitado no meio musical, especialmente entre os sambistas. Tem opinão formada sobre o samba e sabe da sua importância no contexto da música brasileira. Ficou famoso por suas melodias de grande beleza, toca vários instrumentos, canta bem e sabe tirar um ritmo preciso da caixa de fósforos. Mas irrita-se quando lhe pedem para posar tocando o instrumento rústico. Não quer fazer tipo. Vê com péssimos olhos a folclorização no sambista: “Tem gente que imagina que para fazer samba é preciso frequentar botequim. Eu até sei bater uma caixinha de fósforo, mas não faço tipo para corresponder à idealização das pessoas”, diz. Alguns dizem que é rabugice. Mas o fato é que ele recusa o estereótipo do sambista arroz de festa.

O compositor nasceu no bairro da Glória, no Rio de Janeiro, há 80 anos, completados no último dia 22. Filho de um funcionário do Arsenal da Marinha que promovia reunião musicais em casa e desfilava em ranchos carnavalescos, Elton fez seu primeiro samba aos 8 anos de idade para o bloco de garotos da rua onde morava, no subúrbio de Brás de Pina. Aprendeu a tocar sax e trombone no colégio interno João Alfredo, onde participava da banda, e ganhou cancha como percussionista tocando bateria em bailes. Aos 18 anos, largou o estudo, mas não a música e o samba. Tocou trombone em gafieira, fundou o bloco carnavalesco Tupi de Brás de Pina, foi integrante da ala de compositores da escola Aprendizes de Lucas e junto com Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho (produção e direção) participou do espetáculo Rosa de Ouro, que gerou dois discos antológicos (1965 e 67), ao lado de Aracy Cortes, Jair do Cavaquinho, Clementina de Jesus, Nelson Sargento e Anescarzinho do Salgueiro. Fez parte do grupo Voz do Morro, com o qual gravou três discos, e de Os Cinco Crioulos, que gravou outros três LPs na década de 60.

Elton conheceu Paulinho da Viola quando frequentava o Zicartola, o legendário restaurante musical que o compositor Cartola e sua mulher Zica abriram na rua da Carioca, no centro do Rio, em 1963. Desse encontro surgiu uma parceria estável e inspirada. Em 1968, eles gravaram o LP Samba Na Madrugada, relançado recentemente em CD pela Biscoito Fino. Trata-se de um disco antológico no qual Elton canta parcerias com Cartola, Mauro Duarte, Zé Keti, Hermínio e o próprio Paulinho. Paulinho canta sambas seus e parcerias com Candeia e Casquinha. Destaques no disco: O Sol Nascerá, de Elton e Cartola (“A sorrir eu pretendo levar a vida / Pois chorando eu vi a mocidade perdida”) e Jurar Com Lágrimas, de Paulinho (“Jurar com lágrimas que me ama / Não adianta nada”). Solos de Raul de Barros no trombone enfeitaram faixas de uma qualidade melódica que surpreendeu os que viam no samba um gênero menor. Desfilam pelo disco alguns outros exemplares antológicos, como Mascarada e Minhas Madrugadas. De lá para cá, o samba O Sol Nascerá, a parceria com Cartola, já mereceu mais de sessenta gravações e Pressentimento (com letra de Hermínio Bello de Carvalho), terceiro colocado na Bienal do Samba, em 1968, já foi gravado por mais de trinta cantores diferentes. A mais célebre dessas gravações é a de Elizeth Cardoso, que o incluiu no LP Elizeth e Zimbo Trio balançam na Sucata. A Divina incluiria outros sambas de Elton em seus discos seguintes. Ainda em 68, Elton participou do LP Mudando de Conversa, disco que reuniu Clementina de Jesus, Cyro Monteiro, Mauro Duarte, Nora Ney e o conjunto Rosa de Ouro.

Elton gravou o primeiro disco solo, que levou seu nome no título, em 1973. Quatro anos depois, ele participou do disco Quatro Grandes do Samba, ao lado de Candeia, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. Em 1980, o selo Eldorado lançou Elton Medeiros, segundo disco solo, no qual se destacam Peito vazio e Sentimento perdido. Em 1996, Elton juntou-se aos chorões do regional Galo Preto para gavar o CD Mais Feliz, um disco muito bem cuidado no qual o compositor exibe também seu talento apreciável como intérprete. “Foi o meu trabalho mais infeliz”, declarou Elton ao jornalista João Pimentel, de o Globo. “Não pelos músicos e pelo produto, que ficou ótimo, mas pela relação com a gravadora, que não honrou seus compromissos”.

Em 1997, a WEA apresentou A Alegria Continua, no qual Elton divide a voz com Zé Renato e Mariana de Moraes. Em 1999 repartiu o CD Só Cartola, com o Galo Preto e Nelson Sargento, antigo companheiro de Voz do Morro, Rosa de Ouro e Os Cinco Crioulos. Em 2001, a Rod Digital lançou Aurora de Paz, cuja faixa título é uma parceria sua com o poeta Cacaso. Nesse trabalho ele incluiu dez músicas inéditas e quatro regravações, inclusive parcerias com Eduardo Gudin, Paulo César Pinheiro, Paulo Vanzolini, Zé Kéti e Paulinho da Viola.

No mesmo ano, ainda, saíram Meninos do Rio, que reuniu vários compositores e cantores, e 1º comPasso, gravado ao vivo no Paço Imperial do Rio de Janeiro, com vários artistas do samba e do choro. Em 2003, Elton participou da homenagem a Clara Nunes no disco Um Ser de Luz. A Biscoito Fino se juntou ao selo Quelé, em 2005, para lançar Bem Que Mereci, com músicas inéditas de sua autoria e outras consagradas de Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Kéti e Ismael Silva. No ano seguinte, o selo Rio 8 Fonográfico apresentou Circuito Original, uma coletânea que incluiu, além de Elton, Eliane Faria, Monarco, Nilze Carvalho, e Roberto Silva. Em 2007, ele participou com dezenas de outros artistas do CD e DVD Cidade do Samba. Ufa!

Elton Medeiros não se cansa. Desde que apareceu no cenário musical brasileiro, não se ausentou por muito tempo dos shows e discos. É acima de tudo um sambista militante. Dono de um senso crítico aguçado para o que considera qualidade em música, Elton coloca o samba na proa do que chama de um movimento de resistência cultural. “O samba é a peça de resistência da música popular brasileira. É o que resiste mesmo e funciona às vezes como um navio quebra gelo. O choro vem atrás, depois de o samba quebrar o gelo”, diz. E o gelo é a falta de divulgação: “O samba está passando por uma fase muito boa, pelo menos aqui no Rio de janeiro, mas não no rádio ou na televisão”, dizia ele no final de 1997, ao jornal O Globo. “Há esse gelo na mídia contra o samba. Há um movimento muito forte nos bares, quase numa atitude clandestina, de cantar samba”.

Mas ele não é um militante cego, sabe que nem tudo são flores nessa seara. “Ao comparar o que se faz hoje com a música dos anos 30 a 50, a decadência é evidente”, declarou à Folha de S. Paulo, em 2001. O sambista considera que houve um descaso com a música no Brasil. E relembra a importância de seu ensino, entre os anos 30 e 50. “Aqueles foram os anos do ensino obrigatório de música, dos corais e bandas nas escolas. As pessoas aprendiam música e ouviam muito rádio. Era um público exigente, que estimulava os compositores a se superar. Se pensarmos no que acontece hoje, dá vontade de chorar”. Ele se diz influenciado pela boa música que aprendeu na escola e que complementou com sua experiência na noite e nas escolas de samba. “Villa-Lobos levou os corais para as favelas, o ensino musical estava nas escolas públicas. Tudo isso resultou em uma qualidade altíssima na produção artística, e mesmo os compositores dos morros foram envolvidos nesse movimento”.

Elton pode se queixar dos rumos da MPB, da pouca divulgação da boa música nas rádios e TVs, mas não da falta de reconhecimento. Unanimidade entre a crítica, respeitado entre seus pares, Elton ganhou o Prêmio Shell de Música, em 2001, e a festa de entrega do troféu, no Canecão, no Rio, foi um evento e tanto, com a participação de uma constelação de artistas da MPB, incluindo os ex-companheiros Nelson Sargento e Jair do Cavaquinho, dos tempos de Rosa de Ouro, além de seu parceiro de sempre Paulinho da Viola, da rainha do suingue Elza Soares e da Velha Guarda da Portela. Elton agradeceu “o cafuné” dos amigos. Mas viver da música, mesmo para um bamba como Elton Medeiros, continua sendo sonho de uma noite de verão: “Jacob do Bandolim era escrivão. Pixinguinha foi professor. Geraldo Pereira era motorista da prefeitura. Mais que uma tradição do meio artístico brasileiro, isso mostra uma necessidade de trabalhar em outras áreas para sobreviver”, diz ele, que no dia-a-dia é administrador de empresas graduado pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro.