Especial

Comportamento sexual na MPB

Por Daniel Brazil - 18/01/2007

No final de 2006 um catatau com mais de 600 páginas aterrissou nas livrarias com um conteúdo potencialmente explosivo: A História Sexual da MPB, um detalhado estudo das relações sempre complicadas entre amor, desejo, sexo e música popular.

O autor, Rodrigo Faour, não é estreante. Jornalista e produtor musical atuante no Rio de Janeiro, já havia escrito a biografia de Caubi Peixoto e um ensaio sobre a Revista do Rádio. Mas este é, sem dúvida, seu livro mais ambicioso, capaz de suscitar animadas polêmicas no meio musical.

Ancorado em um respeitável número de entrevistados, que incluem historiadores como Jairo Severiano e J. R. Tinhorão, entre outros, além de vários artistas, pesquisadores e psicanalistas, Rodrigo mapeou quase 15 mil composições, das quais selecionou 1.300 para representar os temas que ele encadeia com prosa fluente e às vezes irônica, à maneira de um Ruy Castro.

O livro traz exemplos preciosos de letras recolhidas sem preconceito, dos lundus e maxixes do século XIX até os forrós de duplo sentido e o descaramento do atual funk carioca, passando pela época de ouro do rádio, as marchinhas de Carnaval, a bossa nova, a Jovem Guarda e os bregas de variadas extrações.

Rodrigo alerta, já no prefácio, que o mito do brasileiro como um povo extrovertido, sensual, que só pensa em sacanagem, é furado. Até os anos 60, 90% das canções que chegavam ao disco eram sobre amores inatingíveis, amargurados, vingativos e até trágicos. Basta pegarmos o repertório dos quatro grandes da era do rádio (Francisco Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva e Carlos Galhardo) para encontrarmos uma compilação de queixas, dores e sofrimentos, além de doses cavalares de moralismo e machismo. Quando a mulher não é a causa de todos os males, uma traidora ou decaída, é uma figura idealizada, etérea e virginal.

Carmen Miranda rompe o bloqueio dos cantores nos anos 30, levando seu jeito sapeca e inaugurando novos padrões. Mas nem tanto, observa Faour, pois até canções sacudidas como Tahí (Pra você gostar de mim), Bamboleô ou Na Batucada da Vida, lidas friamente, são também tristonhas...

Depois de analisar os clichês do amor romântico, que passam pela bossa nova, a MPB dos anos 60 e perduram até hoje, Faour dedica capítulos à questão da mulher e a mudança de comportamento, o preconceito (do maxixe ao funk), o duplo sentido (com vários e hilariantes exemplos de extração nordestina), as letras homoeróticas e as transgressões em geral.

Uma delícia à parte é apreciar a parte visual do livro, com a reprodução de capas de apelo erótico de diversas épocas. Os primeiros LPs, nos anos 50, inauguraram um estilo que perdura até hoje: Uma pin-up semivestida na capa, em posição sensual. Podem ser boleros de Waldyr Calmon nos anos 50, o sax de Bob Fleming (Moacyr Silva) nos anos 60, ou disco de pagodeiros dos anos 90. Mudam as posições, mais ou menos roupa, mas sempre comparece uma boazuda para ajudar a vender o produto. É curioso ver a quantidade de atrizes famosas que posaram para capas de discos, desde o início da novidade. E, claro, há o progressivo desnudamento das cantoras e cantores, propriamente ditos, nas capas de LPs e CDs.

O livro traz um apêndice com mais de 100 páginas, onde a minuciosa discografia, bibliografia e até autoria das capas de discos reproduzidas demonstram o cuidado com que foi preparado. Leitura agradável para muitas horas, obra de referência desde já fundamental.

(História Sexual da MPB, Record, 2006).