Especial

As canções de Villa-Lobos

Por Daniel Brazil - 20/08/2007

Não há dúvida sobre a importância de Heitor Villa-Lobos para a música brasileira de concerto. Nosso maior compositor colheu aplausos em Oropa, França e Bahia, e inscreveu seu nome entre os maiores da história da música universal.

Sua relação com a música popular vem da infância. Carioca, aprendeu com o pai os primeiros toques de clarinete, antes de se dedicar ao seu instrumento favorito, o violoncelo. Nos primeiros anos do século XX, o jovem Heitor, nascido em 1887, gostava de participar das rodas de choro do Rio de Janeiro, aprendendo rapidamente a tocar violão. Ali conheceu Ernesto Nazareth, se encantou com João Pernambuco, aplaudiu Anacleto de Medeiros, prestou atenção em Catulo. As rodas de samba também atraíram sua atenção, e chegou a fundar um cordão, anos mais tarde.

De 1905 a 1923 Villa-Lobos percorreu o Brasil, e ouviu de perto canções, cirandas, aboios, danças e repentes. Muitas vieram depois a compor o seu Guia Prático, manual dedicado ao ensino da música nas escolas, bandeira que defendeu por toda a vida.

Vários destes temas populares foram harmonizados e arranjados em peças de maior fôlego. Às vezes irrompe dentro de uma Bachiana, de um Choros, ou mesmo de uma sinfonia, tocando fundo nossa alma brasileira. Além disso, compôs uma série de Serestas, canções líricas onde musicou versos de vários poetas, como Manoel Bandeira.

Não é fácil localizar todas essas peças no imenso catálogo do compositor. Mais difícil ainda é ouvi-las, pois são raras as gravações. O Trio Jacarandá, um grupo de São Paulo, resolveu encarar o desafio. Depois de muita pesquisa, chegaram ao formato de um show onde mesclam canções e pequenas histórias sobre a vida do compositor. Dois violões e voz traduzem de forma intimista o encontro amoroso entre o vasto oceano de nosso folclore e o rio amazônico de inspiração do mestre.

Jurema Galle conduz o espetáculo com muita graça. Intérprete segura, contralto de belo timbre, íntima de rodas de samba e choro, incorpora a dicção popular a letras por vezes obscuras, aproximando-as do público. Comentando cada canção, acrescenta informações preciosas e chama a atenção para pequenos detalhes sem parecer professoral.

Ruy Weber, professor de uma geração de jovens músicos paulistas, faz admirável trabalho de recriação da escrita de Villa-Lobos, com belíssimos arranjos para a nova formação. Marcos Coin, mais jovem, integra-se com perfeição à sonoridade do trio, em perfeita sintonia com o violão de Ruy.

Mais que um recital, é um espetáculo completo, com cenário e telão onde são projetadas imagens de Villa em vários momentos da vida. Não se sabe ainda quando será registrado em CD, mas certamente terá grande impacto pelo ineditismo da abordagem musical.

É com prazer que o público reconhece os acordes do Trenzinho do Caipira, da ária Caicó (Bachiana no. 4), da cantilena da Bachiana no. 5. Surpreendem-se com a Viola Quebrada do Mário de Andrade, e descobrem que foi harmonizada por Villa em 1929. Tomam contato com a Seresta no. 5 e outras peças vocais de inequívoca inspiração popular.

Até mesmo a marcha-rancho Quando Uma Estrela Sorri, (Donga/ David Nasser), de 1940, traz a inconfundível marca do gigante. Uma seqüência harmônica imediatamente reconhecível, que anos depois virou tema famoso em sua obra, confirma o que Hermínio Bello de Carvalho testemunhou: Villa e Donga foram parceiros. É ouvir pra crer!