Especial

Bolão fala do novo CD de Simone Guimarães

Por Tuca Zamagna - 20/12/2010

Em bebemoração ao lançamento de Cândidos, sétimo CD da cantora e compositora Simone Guimarães, convoquei seis peças raríssimas para entrevistar o boêmio (e político, nas horas vagas) Márcio Guimarães, o Bolão, pai da artista.

Sétimo CD, sete pessoas reunidas no Bar do Totó, em Santa Rosa de Viterbo, cidade natal dos Guimarães, pai e filha. Sete, número cabalístico, afilhado de todas as possibilidades e padrinho de todas as certezas – inclusive a possibilidade de que duas dessas pessoas estejam vivas e a única certeza de que umas delas é o jornalista e fotógrafo Romeu Antunes. Dito isto, pego o meu boné, que sete pode ser muito bom, mas oito (o infinito erecto) com certeza é demais. Fui.

Chico Louco (mestre de folias, repentista e pescador) – Salve Simone Guimarães/ Filha de Bolão e Mariana/ Irmã das estrela (sic) e dos cães/ Que ladram na noite roseana/ Em sol maior, por Si madura.../ Mas vai que por algum deslize/ O Cândido perde a candura/ Qual candidato e candidise (sic)?

Bolão – Ô Chico, segura a estribeira dos seus repentes, senão já já eu respondo o desafio e te esfolo em versos!

Romeu Antunes – Esfola mesmo, Chico. Eu lembro bem no que deu aquele dia em que você desafiou o Bolão no bar do Zé Mussolim.

Paulo Emílio (poeta e compositor, parceiro de Aldir Blanc e João Bosco, entre outros) – Você toca piano, violão, sanfona... Em que medida isso influenciou a Simone?

Bolão – Em medida nenhuma. Felizmente, porque eu sou bem ruinzinho em qualquer instrumento. Com 12, 13 anos, Simone já tocava violão como eu nunca nem sonhei em tocar. E graças ao bom hábito de usar o piano para compor, hoje até nos teclados ela me dá de dez.

Kixodó (mascate de tecidos e freelancer em onisciência) – Qual que é a desse CD, Bolão? A melô de um cearense, o Isaac Cândido, na voz da Simone, que é paulista, não pode dar samba.

Bolão – Samba não dá mesmo, Kixa, que não é essa a seara dos dois. Mas deu um excelente resultado. Ótimas canções interpretadas com muita sensibilidade. Em música não tem esse negócio de diferenças regionais. Nem estilísticas, pensando bem. Dá pra juntar um guitarrista de heavy metal com um tocador de saltério medieval. Se os caras forem bons e os sentimentos se afinarem, dá coisa boa.

Tio Pica (eterno bedel do ginásio santarrosense e cuja casa é pousada gratuita para todos os forasteiros amigos de seus amigos) – Eu sempre fui pé-de-valsa, cês sabem, né? Mas salsa, não houve meio de eu aprender a dançar direito.

Bolão – Tão fácil. É só pegar o compasso, que é diferente dos ritmos a que você está acostumado a dançar. (tocando a mão do Chico Louco) Ensina pra ele, Chico.

Chico Louco – Cruz credo, larga a maçaneta/ Eu num vou rabiscá meus passo/ Pras pata do tio do capeta!

Paulo Emílio (cantando) – Que beijinho doce/ Foi Pica quem trouxe/ De longe, Chiquim/ Um abraço apertado/ Um suspiro dobrado/ Que amor sem fim...

Aranha (memorialista amnésico) – Grande Nora Lafayette!

Bolão – Ou Nora Ney ou Núbia Lafayette, aracnídeo. Mas “Beijinho doce” foi gravado e consagrado pela Nalva Aguiar.

Kixodó – Qual que é, Aranha? Outro dia tu já veio me falar de Inezita Peixoto e Caubi Barroso.

Tio Pica (canta imitando os trejeitos de Inezita Barroso) – Com a marvada pinga/ É que eu me atrapaio/ Eu entro na venda e já dou meu taio/ Pego no copo e dali num saio/ Ali memo eu bebo/ Ali memo eu caio/ Só pra carregar é que eu dô trabaio...

Romeu – Simone gosta muito da Inezita. Você tem ou tinha algum disco dela, Bolão?

Bolão – Nunca tive. Não compro discos. Gosto de música ao vivo. Fui a muito show da Inezita em São Paulo. E trouxe ela aqui em Santa Rosa. Tio Pica lembra bem. Se melou todo de tanto arrastar asa pra cima dela.

Romeu – Ela lotava os teatros até 80 e poucos, né?

Bolão – Isso eu não sei dizer. Eu só ia a show dela em casas noturnas, com mesa e copo sempre cheios. Não suporto ficar sentado três, quatro horas num teatro.

Kixodó - Qual que é, Bolão? Um show não dura esse tempo todo.

Bolão – Não dura pra você, Kixa, que é um fiapo. Pra mim, é o tempo do espetáculo mais o tempo que os bombeiros levam pra chegar, meter a serra e me desenganchar da poltrona.

Paulo Emílio (depois de abafar uma gargalhada com uma das mãos) – A vingança da cadeira cativa! (abafa um risinho debochado)

Tio Pica – Cê gosta mais de muié cantando, né?

Bolão – Não faço distinção, não. O problema é que sempre tivemos mais boas cantoras que bons cantores. E nos últimos anos isso se acentuou. Acho o Milton Nascimento o máximo. E dou graças a Deus dele ter vindo a Santa Rosa há cerca de trinta anos e de ter conhecido a Simone ainda menina.

Aranha – No sítio do Taioba.

Romeu – Chicória, Aranha!

Bolão – Milton foi fundamental para ela. Não só pela influência musical, pela aproximação com Toninho Horta, Lô Borges, Beto Guedes e toda aquela turma mineira que faz música com uma qualidade harmônica que, pode-se dizer, pelo conjunto das muitas obras já produzidas, é única na MPB. Milton também esteve presente em vários shows e CDs da Simone, além de convidá-la para participar de trabalhos dele.

Paulo Emílio – Você aprova o caminho musical que ela seguiu?

Bolão – Eu não tenho de aprovar ou desaprovar. Foi o caminho que ela escolheu, fiel àquilo que sente. Mas como pai, confesso que preferia que ela tivesse feito outra opção. Essa turma mineira, e mais Francis Hime, Guinga, Dori Caymmi, Noveli, Leila Pinheiro... Simone só se liga a gente que não ganha muito dinheiro. Até na música da nossa região, que tem tanto cantor sertanejo enchendo as burras de grana, ela só gosta de figuras como João Pacífico e Pena Branca & Xavantinho. Quem conhece esses caras? Quem valoriza o que eles produziram? Nunca chegaram sequer a limpar os pés no capacho da porta das grandes gravadoras.

Kixodó - Qual que é, Bolão? Eu rodo por todo o interior de São Paulo, e ouço a Simone sendo tocada numa porrada de rádio.

Bolão – E daí? Você acha que esses direitos autorais chegam ao bolso dela? Se é que eles tocam a Simone tanto assim. Sei lá, não gosto de rádio também.

Aranha – Não? No velório da dona Açucena, a primeira coisa que você fez quando chegamos na casa dela foi entrar na cozinha e ligar o rádio.

Romeu – Quem era essa dona Açucena?

Aranha – Aquela que morava na rua da cadeia.

Paulo Emílio – Dona Filomena, Aranha!... O Bolão só foi na cozinha pegar uma pinga pra gente traçar com aquele café requentado que estavam servindo.

Bolão – Verdade. Também liguei o rádio, mas bem baixinho. E a pedido de vocês dois, que queriam saber a quantas andava um jogo do Botafogo. Foi você quem aumentou a porra do rádio, Aranha!

Aranha – Alguém tinha de fazer alguma coisa pra abafar o grito de gol do Paulo Emílio.

Paulo Emílio – Fomos xingados e expulsos do velório. Até dona Filomena soltou um palavrão... Tudo culpa daquele café, que botou nós três num porre vexaminoso.

Bolão (serve a todos o restinho da última das três garrafas de pinga que o Totó trouxera para a mesa no início da entrevista, e ergue o copo) – Um brinde a Simone Guimarães!

Tio Pica – E a Cândidos!

Chico Louco – E a São Paulo e ao Ceará/ Que é bão aqui como é bão lá!

Romeu – E à pinga!

Aranha – Purinha, sem chocolate!

Paulo Emílio – Sem café, Aranha!

Kixodó – Viva a eternidade da boa música e da vida!