Especial

Beto Furquim: O prazer de ouvir canções

Por Daniel Brazil - 10/10/2008

Há poucos anos uma declaração de Chico Buarque agitou os meios musicais brasileiros. Chico anunciava certo desencanto com o formato tradicional da MPB, apontando para um esgotamento das fórmulas tradicionais neste início de século.

Causou polêmica, claro, mas não estava sozinho. Outros observadores, participantes ativos ou não da cena musical, já especulavam sobre a extinção de alguns gêneros e o cansaço natural de outros. A maré cada vez mais intensa de pagodeiros e breganejos parecia isolar os últimos defensores de uma suposta “música popular de qualidade” em ilhas cada vez mais esparsas.

Em qualquer mesa de boteco vamos encontrar a velha divisão entre apocalípticos e integrados da música brasileira. Enquanto os primeiros se escudam na audição saudosista dos clássicos (conceito tão amplificado que pode abranger até canções feitas há pouquíssimo tempo), os últimos mergulham bravamente no oceano poluído da indústria musical radiofônica, certos de chegar a praias mais ensolaradas.

Ouvir o CD de um autor estreante como Beto Furquim (Muito Prazer, independente, 2008) nos faz pensar nesse trabalho de resistência que alguns compositores empreendem, buscando um pacto entre canção de consumo e qualidade musical e poética.

Beto Furquim demonstra sua filiação a uma linhagem que se desdobra desde os anos 60, quando autores como Caetano, Gil e os mineiros do Clube da Esquina mesclaram influências nacionais e internacionais, criando novos parâmetros de canção pop brasileira.

Próximo ao grupo paulista de Suzana Salles (com quem estreou nos palcos, tocando violão e guitarra, em 1986), Ná Ozzetti e Luiz Tatit, e com marcada influência de Zé Miguel Wisnick, Beto desenha canções delicadas e sem arestas, sem furor nem excesso, de polida simplicidade.

O CD é fruto de um prêmio da Secretaria Estadual de Cultura de SP, de 2007. Embalado em belo trabalho gráfico de Alex Cerveny, abre com a ótima e gingada À Beira Mar, arranjada por Mário Manga. Pouco depois brilha Estrela da Manhã, interpretada por Mônica Salmaso, tal qual foi defendida no Festival de Música Brasileira da TV Globo, em 2000. Beto canta todas as outras, e tem o dom de torná-las suaves, mesmo quando entoa letras inquietantes como Olhos de Morcego.

Há alguns OMNIs (Objetos Musicais Não Identificados), como uma melancólica canção chinesa (Beto estudou chinês na USP!) ou uma oblíqua canção roseana (Margem), que faz interessante contraponto à canção de Caetano/ Milton sobre a Terceira Margem do Rio.

Beto Furquim rema a sua “canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: rio abaixo, rio a fora, rio a dentro”, o rio caudaloso da música popular brasileira. Navega eqüidistante entre a facilidade e o pedantismo, remando firme contra a maré da vulgaridade.