Especial

Bethânia e Portuondo

Por Daniel Brazil - 11/03/2008

O novo disco de Maria Bethânia, um dueto com a cubana Omara Portuondo, é mais um passo na direção do ideal estético perseguido pela baiana. Não é um disco de invenção, mas de tradição. É incrível como cada vez mais Bethânia soa refinada e elegante, sabendo utilizar recursos musicais quase minimalistas com sabedoria e densidade, fruto da perfeita parceria com o arranjador Jayme Além.

Omara, grande dama da canção cubana, confessa ser fã da música brasileira, desde o início da carreira, nos anos 50. Embora seja mais conhecida como cantora de boleros (e o filme Buena Vista Social Club ajudou a difundir esta idéia), é muito mais que isso. Intérprete sutil, colore seu timbre maternal com nuances bossanovísticas de fina extração. Ostenta o violonista brasileiro Swami Jr. como arranjador de seus últimos trabalhos, o que elimina qualquer dúvida sobre sua identificação.

O CD “Omara Portuondo e Maria Bethânia” (Biscoito Fino, 2008) é o encontro de dois rios musicais carregados de história e memória. Um encontro sereno, em que as águas vão se misturando com suavidade, até que não percebamos mais o que é cubano e o que é brasileiro. Duas das maiores potências musicais do continente (a outra é a norte-americana, claro) são exploradas dentro de um período específico, que é a década de 1950.

O disco abre com duas canções de ninar (uma delas de Antonio Maria, Menino Grande) e alterna faixas solo e em dueto. Os sotaques dão um tempero divertido, quando as cantoras arriscam além da língua natal, mas é um detalhe que logo submerge perante a grandeza emocional do encontro.

Se ainda for possível, nestes tempos tão saturados de sentidos e significados, tão cheio de hostilidades entre povos latinoamericanos, tão sem respeito pela riqueza da tradição cultural que nos irmana, gostaria de roubar um tiquinho da elegância sintética das duas cantoras e dizer apenas... “que beleza!”.