Especial

Aos 70, ele ainda é brasa, mora?!

Por Felipe Pamplona - 19/04/2011

Ele mandou que tudo mais fosse para o inferno; andou pelas curvas da estrada de Santos; Em ritmo de aventura, correu demais só para ver o bem dele; embalou a tradição católica no Brasil com ‘Jesus Cristo’; consolidou-se como ídolo de várias gerações trajado com o quepe de marinheiro e atirando rosas às fãs em cruzeiros marítimos; embaixo dos caracóis dos ‘subversivos’ posicionou-se contra a ditadura; há 37 anos ele alegra o Natal dos brasileiros; Enfim, este ‘Rei’ é terrível.

Roberto Carlos Braga, talvez o maior expoente vivo da música popular brasileira, completa 70 anos com a trajetória de carreira entre as mais bem sucedidas no meio artístico do mundo.

Cachoeiro do Itapemirim, no sul do Espírito Santo, tornar-se-ia ilustre a partir de 19 de abril de 1941. O filho pródigo encantado com o movimento da Bossa Nova, capitaneado pelo balanço do violão sincopado de João Gilberto, Roberto Carlos foi tentar a sorte na Cidade Maravilhosa, com o sonho de que a brisa do mar da Zona Sul carioca também soprasse em favor do sucesso.

Descoberto pelo ‘canalha’ da música popular brasileira, Carlos Imperial – e que seria por muito tempo um grande descobridor de talentos, o menino capixaba percebeu que não teria espaço reservado nos apartamentos dos bambas bossa-novísticos (Carlos Lyra, Nara Leão, Roberto Menescal, Sylvinha Teles).

O início dos anos 1960 ficaram marcados pela chegada de um gênero musical importado pelos norte-americanos, cuja sonoridade agressiva, ofensiva, suja, inicialmente repudiada por aqui por ser regida por guitarras elétricas. O rock n´roll era barulhento demais para os mais silenciosos violões de harmonias jazzísticas.

Por conseguinte, um quarteto inglês formado por garotos atrevidos da cidade portuária de Liverpool mudou o cenário musical para sempre; John Lennon(voz e guitarra), Paul McCartney (voz e baixo), George Harrison (voz e guitarra) e Ringo Star (bateria) trouxeram melodias muito bem elaboradas combinados com arranjos até então impensados para um grupo de rock, que estava longe de ser uma referência em progressões harmônicas.

Movido por esta verve de rebeldia, Roberto Carlos apresentou ao lado de seu companheiro de Tijuca, Sputiniks, amigo de fé e irmão camarada de milhares de outras jornadas, Erasmo Carlos, um programa televisivo da Rede Record que foi transformado no símbolo da geração daquela década: Jovem Guarda.

Wanderléa, Martinha, Renato e seus Blue Caps, Os Incríveis, The Fevers, The Golden Boys, Ronnie Von, Wanderley Cardoso, Demétrius, Lilian e Lennon e Deny e Dino foram alguns que ao lado de Roberto e Erasmo dariam forma a um repertório romântico, cujas letras falavam basicamente de declarações amorosas, compostas a partir de versões de Beatles e canções do rock italiano.

Roberto conseguira afirmar-se com popularidade impressionante no gosto musical dos brasileiros, deixando os violões da Bossa Nova encostados por certo tempo em muitas salas de apartamento daquele período. Tal mudança provocou o surgimento de uma rivalidade, que seria até colocada como a ‘polarização musical no Brasil: Bossa Nova versus Jovem Guarda’.

Mais imbecil ainda foi quem levou adiante esta idéia absurda, chegando a promover no Centro de São Paulo a famigerada passeata contra a guitarra elétrica.

Com o movimento da Guerra Fria impulsionando a instalação de regimes ditatoriais pela América Latina, as manifestações tornaram-se constantes no país – o Brasil não ficaria incólume. Questões relacionadas à linguagem e a estética musicais dariam lugar a posições mais incisivas com o governo que vigeria pelos 21 anos seguintes.

Mais uma vez, Roberto Carlos seria questionado por parte da classe artística por não produzir canções que posicionassem sua orientação política diante de um panorama tão conturbado. Alguns milhares adolescentes ficaram adultos; as freqüências radiofônicas sintonizariam Roda Viva, Apesar de Você e quem sabe até, ‘A Banda’; mas quem não estivesse á toa na vida, não queria parar para ver a banda passar cantando coisas de amor, mesmo quando o amor lhes chamasse, como “Eu Te Amo, eu te amo, eu te amo”, ou “Esqueça”.

“Todos estão Surdos” e “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” foram gravadas pelo rei como consolo a aqueles que deixaram a repressão em troca do exílio fora – casos de Gil e, principalmente, Caetano, a quem “Debaixo dos caracóis...” fora dedicada. Para muitos, foi uma resposta sobre sua real orientação política.

A década de 1980 marcou o momento de ruptura na carreira do rei. Poucos sucessos, discos não tão emplacados seriam sinal de outro movimento musical em plena efervescência, o qual podemos dizer que fora ele mesmo quem começou duas décadas antes: o rock nacional.

Bandas lideradas por jovens inteligentes, articulados e muito talentosos tiveram a missão de suprir uma geração que nascera na ditadura e não tivera muito tempo para amalgamar o seu padrão de comportamento com o final do regime considerado por muitos como a ‘mancha negra’ na história contemporânea do país.

Roberto Carlos confirma nesta semana o ditado popular que diz que o ‘rei jamais perde a majestade’. Na música, não temos dúvida de que ele permanece com a coroa muito bem colocada em sua cabeça. Manteve sua popularidade intacta ao longo do tempo, superando a barreira da ‘velharia’ em diversas épocas distintas, justamente por saber expressar aquilo que o grande público sempre gostou e continuará gostando de ouvir: o sentimento.