Especial

A algazarra de Evandro Camperon

Por Daniel Brazil - 22/12/2009

Derrubando as previsões mais pessimistas, 2009 foi um ano de ótimas estréias musicais. Novas vozes surgiram no congestionado universo das cantoras, prometendo deixar a paleta ainda mais cheia de luzes e cores. Jovens instrumentistas se atiraram ao desafio do primeiro disco, enquanto músicos experientes lançaram trabalhos renovadores.

E não poderíamos encerrar o ano sem o registro da exuberante estréia em CD de Evandro Camperon (Algazarra - Tratore, 2009) Pernambucano integrado ao redemoinho paulistano há mais de 15 anos, Evandro exibe fluência em vários gêneros, imprimindo sua marca em cada canção. Formado em Letras pela USP, domina como poucos a arte de construir versos sofisticados, com imagens surpreendentes e belas. Mesclando influências literárias (“Mundo, não tão vasto mundo/ carrossel à revelia/ labirinto anuviado/ jangada de alvenaria”) e musicais (Chico, Gil e os pós-tropicalistas, principalmente Chico César), não oculta a forte matriz pernambucana, recebida através do pai, Rodrigues Camperon, músico e compositor de vasta obra, autor da faixa que abre o CD.

Evandro, bom violonista e cantor, mostra intimidade com o samba (Fingimento e Não Vou Renunciar), o frevo (Chão de Purpurina, parceria com Camperon pai), a toada (Calabouço, letra plena de fortes imagens), a canção pop elétrica, de clima sombrio (Mito Real e A Última Dança), a balada acústica (Despedaço), o batuque do ijexá (A Baba e a Barba) e a canção de amor pós-bossa nova (Lua N’água).

A grande sabedoria de Camperon é dominar as formas mais acessíveis da canção injetando-lhes novos conteúdos poéticos, sem perder de vista a eufonia. Até mesmo um pop dançante com toques sessentistas, aparentemente despretensioso (Lucinha no Céu com Diamantes) exibe imagens incomuns como “Ela enfeitava a fronte feito bacante”.

Finda a primeira audição, ficam soando na memória versos como “tu’alma em minh’alma/ tremula feito lua n’água”. Ou “ataúdes criam asas nos céus de Bagdá/ no chão de Monte Santo, Manágua e Carajás”. Ou “Quero sim, oásis de cetim/ miragens de serpentina/ tu mais eu pisaremos ao léu/ um chão de estrelas de purpurina”, que desloca uma das imagens mais mitificadas da música brasileira para o chão de Recife.

O autor diz que tem material para mais três ou quatro discos, e não foi fácil fazer a escolha deste primeiro CD. Quem conhece Evandro das canjas, das rodas, dos bares de boa música de São Paulo, das participações especiais em shows e discos, das canções já gravadas por Amanda Barros, entre outras, sabe que não é bravata. Que venham novas canções em 2010!