Especial

Abraçando Candinho

Por Osmário Estevam Júnior - 16/12/2011

Além de grande trombonista, Cândido Pereira da Silva, o Candinho, foi compositor e violonista. Nasceu em 30 de janeiro de 1879 no Rio de Janeiro, lá faleceu em 12 de dezembro de 1960. Filho de Jerônimo Silva e Rosa Pereira começou a estudar com seu pai, que também era “chorão”, flautista e compositor. Residiu no Asilo dos Meninos desvalidos, em Vila Isabel, onde sofreu um acidente que lhe tirou a visão do olho esquerdo, porém sua iniciação profissional foi na Banda do Asilo, de onde também saíram músicos como Francisco Braga, Paulino Sacramento e Albertino Pimentel. Casou-se várias vezes e teve duas filhas, para elas dedicou várias composições.

Candinho foi um grande maestro, representou toda uma geração de chorões, trabalhou na direção da banda de música da Fábrica de Tecidos Confiança, que serviria de inspiração para Noel Rosa em seu samba “Três apitos” e foi sargento integrante da Banda da Polícia Militar. Desde criança conviveu com grandes chorões como Irineu Batina, Anacleto de Medeiros, Quincas Laranjeira, Donga e seus amigos íntimos Pixinguinha e Jacob do Bandolim. Estes dois últimos o surpreenderam certa vez em seu aniversário, improvisaram um choro em sua homenagem que deu origem a obra “É isso mesmo”, assinada por Pixinguinha em parceria com Jacob do Bandolim. Música com estilo muito próximo as obras de Candinho. Aliás, é interessante a relação entre as composições dos dois mestres. Segundo Mozart Araújo, a maior popularidade dos choros de Pixinguinha com relação aos compostos por Candinho, pode relacionar-se com o fato do primeiro usar modulações mais simples, facilitando a assimilação auditiva do público. Candinho e Pixinguinha são considerados como os formalizadores do choro de 32 compassos.

De fato a música de Candinho é extremamente elaborada harmonicamente e muito virtuosística, são peças muitas vezes inimagináveis para um instrumento não tão ágil, como é o trombone, porém o maestro pode as ter escrito justamente para romper esse paradigma técnico de execução trombonística. Apesar da dificuldade técnica, sua escrita é precisa e perfeita, por isso suas músicas podem ser tocadas com qualquer instrumento, contanto que estejam em “boas mãos”.

Candinho foi um trombonista virtuoso e muito importante em sua época, seja no choro ou na orquestra sinfônica, por isso tocou desde 1933 até se aposentar em 1951, na Orquestra Municipal do Rio de Janeiro. Antes disso realizou diversas gravações. Em 1915 gravou com o grupo “Os passos do choro” a sua polca “Soluçando”, um dos grandes choros da história, graças a sua construção e estilo arrojado. É possível escutar na gravação os contrapontos de trombone feitos pelo próprio Candinho. Também integrou o Grupo Malaquias em 1918 e o Conjunto Carioca, realizando ao lado de Antônio Passos, Nelson Alvez e Donga uma série de gravações.

O arquivo musical de Candinho foi entregue por ele a Jacob do Bandolim, sendo incorporado ao acervo do Museu da Imagem e do Som. Entre suas peças se destacam vários choros, entre eles está o “O Nó”, conhecido pelo virtuosismo proposto aos executantes que tentam desatar os desafios da peça, “muitos trombonistas saem com um nó na vara”, mas apesar da extrema dificuldade, a música está perfeitamente dentro das possibilidades de execução para o trombone.

Considerado pelo musicólogo Mozart Araújo como o principal representante da terceira geração do choro, sucedendo Antonio Calado e Anacleto de Medeiros, respectivamente, e antecedendo o genial Pixinguinha, da quarta geração, CÂNDIDO PEREIRA DA SILVA, O CANDINHO DO TROMBONE, é tão importante e fundamental para o choro e para a música brasileira quanto os outros aqui citados.

Diferente, porém, daqueles, Candinho ficou esquecido no tempo, sem o devido reconhecimento de sua vasta e criativa obra. Tal esquecimento, além de sonegar a riqueza harmônica, as belas composições e a sonoridade do trombone de Candinho, implica num hiato na história da Música Brasileira, na passagem do século XIX para o século XX.

Ao nos debruçarmos sobre a vida e a trajetória musical de Cândido Pereira da Silva, nós encontraremos informações como a de que ele foi uma das principais influências do celebrado Pixinguinha. Segundo o que consta na biografia deste, escrita por Sérgio Cabral, Candinho freqüentava a casa do compositor de “Carinhoso”, quando este ainda era criança, pois era grande amigo de Alfredo da Rocha Viana e muito popular entre os chorões, sendo um dos compositores mais tocados daquele tempo. Além disso, Candinho é também o grande responsável por incorporar o trombone aos grupos de choro. Não admira, pois, que tenha alimentado a imaginação do jovem mestre Pixinguinha com sua música muito bem elaborada e de grande qualidade.

Ao nos aprofundarmos na obra de Cândido Pereira da Silva, deparamo-nos com um músico de vanguarda, cujas melodias iluminadas por caminhos harmônicos extremamente elaborados surpreendem pelo arrojo, os padrões do choro executado na época. E ao constatar que tanta qualidade e beleza não fizeram a trajetória histórica do choro desde o século XIX até os dias de hoje, saliento a importância de nos empenharmos numa missão de resgate histórico e cultural da vida e da obra de Cândido Pereira da Silva, o Candinho do Trombone.

Disso resulta este artigo chamado “Abraçando Candinho”, referência a uma composição do mesmo, chamada “Abraçando um Kalut”, choro escrito em homenagem ao chorão Juca Kalut. Devido a isso, tenho realizado trabalhos de edição e harmonização de partituras incompletas e desgastadas pelo tempo, pois são inúmeras músicas inéditas e belíssimas composições pouco conhecidas e até desconhecidas no cenário da música brasileira.

Uma das grandes referências da obra de Candinho é o LP “Candinho, na interpretação de Nelsinho” gravado em 1979 no centenário do compositor. Neste disco, o trombonista e arranjador, Nelson Martins explora todo o arrojo harmônico e a ousadia como as realizava o homenageado. Outros grandes músicos como Altamiro Carrilho e Deo Rian também gravaram as músicas de Candinho. Importante destacar o trabalho dirigido por Mauricio Carrilho na gravação de um disco com musicas de Candinho para a coleção Princípios do Choro. Outra referência é o álbum do Grupo Carioca, relançado pela coleção Memórias Musicais. Apesar destes registros o repertório Candinho do Trombone ainda é muito pouco conhecido pelo publico e entre os músicos atuais.

A pesquisa sobre a obra do trombonista chorão é reveladora ao se perceber que, à exceção de Pixinguinha, nenhum outro chorão conseguiu uma sonoridade tão peculiar, dado o estilo próprio e criativo de Candinho. Os choros “Naquele tempo” e “É Isso Mesmo”, de Pixinguinha, são exemplos muito fortes desta influência. Influência que se expandiu também para compositores como Noel Rosa e Jacob do Bandolin. Além de todo este levantamento da obra a ser feito, será de grande importância envolver músicos, amigos e familiares para compreendermos o contexto no qual Candinho desenvolveu a sua obra. Sabe-se, por exemplo, que a cantora Ivone Lara é sua sobrinha.

O fato é que os que virem e ouvirem as sonoridades produzidas por este ainda desconhecido Candido Pereira da Silva, o Candinho Trombone, irão se admirar com os arrojos harmônicos impressionantes e as comoventes melodias por ele criadas.

Alguns choros que se destacam em sua obra:

1.     Abigail
2.     Abraçando um Kalu
3.     Adelaide
4.     Adylia passando a doces
5.     Aldesinda
6.     Ananias
7.     Aniversário do Nenêm
8.     Ari na fandanga
9.     Arnaldo Corrêa
10.   Artur China
11.   Arthur virou bode
12.   As Pretenções de Nilber
13.   As proezas do Henrique
14.   Bahianinha
15.   Brandão no choro
16.   Candinho no choro
17.   Carioca
18.   Carnaval em baixo d’água
19.   Ceci
20.   Chegou o Tuta
21.   Chorando
22.   Chororô
23.   Coralina
24.   Comparando
25.   Crepuscular
26.   Curitibana
27.   Dança de Urso 28. Deu abóbora na retreta
29.   Deslisando
30.   Desprezo de uma noiva
31.   Dionisio olha o baixo
32.   Dudú foi no laço
33.   Eleninha
34.   Estilizando
35.   Estou por tudo
36.   Eu quero Carolina
37.   Eu te conheço
38.   Euda
39.   Fatalidade feliz
40.   Idalina
41.   Indacira
42.   Inocente Naura
43.   Isaura
44.   Já vais chorar?
45.   João Bianchi na farra
46.   José na fandanga
47.   Juppe coulotte
48.   Lamentando
49.   Leonila
50.   Lourdinha
51.   Luzinéte
52.   Liquides no choro
53.   Margarida
54.   Marilha 55. Marlêne
56.   Martirizando
57.   Misteriosa
58.   Minha filóca
59.   Mocotó do Felinto
60.   Nadir
61.   Não chores
62.   Não me olhes assim
63.   Não si meta
64.   Nelson em apuros
65.   Nice
66.   No azul São Pedro
67.   Noêmia
68.   Nico na farra
69.   O automóvel
70.   O angu do Léo
71.   O casamento de Hilda
72.   O Licas procurando
73.   O Loro de Juvenal
74.   Os galos músicos
75.   O nó
76.   O sossego do Paulinho
77.   Olha a cara dele
78.   Os 21 do homenzinho
79.   Os 40 do Matias
80.   O atrapalhado
81.   O berredo flauteando 82. Paulinho Corrêa
83.   Pensando
84.   Polary
85.   Porcelana
86.   Queixosa
87.   Rato Rato
88.   Rolinha
89.   Rubem no Choro
90.   São Lazaro
91.   Sapeca
92.   Seu Mezindo
93.   Só de Galochas
94.   Suspirando
95.   Tinguaciba
96.   Teu sinal
97.   Triste Alegria
98.   Trinta de Janeiro
99.   Vilma
100. Valter no choro
101. Valsa Vianinha
102. Valdemar no pandeiro
103. Um choro num trem
104. Um dia em Petrópolis
105. Saudades
106. Só de Galochas
107. Sofro sem querer
108. Soluçando


REFERÊNCIAS

• AMARAL, Hélio. A ousadia de Nelsinho. Disponível em <http://blogdochoro.zip.net/> Acesso em: 27 jul.2010.

• AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.

• CABRAL, Sérgio. Pixinguinha, vida e obra. Rio de Janeiro, Lumiar, 1998.

• CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao municipal. São Paulo: Ed. 34, 1998.

• DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. Disponível em <http://www.dicionariompb.com.br/> Acesso em: 27 jul.2011.

• DINIZ, André. Almanaque do Choro: História do Chorinho, o que Ouvir, o que Ler. Rio de Janeiro: JZE, 2003.

• PINTO, Alexandre Gonçalves. O choro. Edicção fac-similar 1936. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1978.