Especial

100 Canções Essenciais

Por Daniel Brazil - 12/06/2008

Um número especial da revista Bravo! chama a atenção, nas bancas: "100 Canções Essenciais da Música Popular Brasileira".

Não sou fã de listas nem da revista, mas de música brasileira. Gosto de ouvir, tocar e conversar sobre nosso maior patrimônio cultural. Sei que qualquer lista é uma escolha arbitrária, e provavelmente metade de uma lista deste porte poderia ser substituída por canções tão boas quanto. Mas arrisquei.

E fiquei indignado, claro. Tudo que é óbvio está lá, de Asa Branca a Chega de Saudade, passando por Carinhoso. O problema são as ausências e alguns desequilíbrios de escolha, que privilegia certos nichos da MPB e ignora outros.

Só pra ficar no samba, fica difícil engolir que Geraldo Pereira e Wilson Batista não estejam na lista. Como João Nogueira cantou certa vez, os três maiorais do gênero são Wilson, Geraldo e Noel. Só discordo da ordem, pois coloco Geraldo em primeiro. Estranhamente, o autor de Falsa Baiana, Escurinho e Escurinha não foi sequer lembrado.

Há quem suspeite de certo racismo no fato de que o branquinho aí de cima ser sempre mais lembrado que os dois crioulos. Mas Noel era bamba, sem dúvida, embora um samba meio repetitivo como Com Que Roupa – que está na tal lista – não chegue aos pés de um Pra Que Mentir (parceria com Vadico), que não está.

Outro craque, Ataulfo Alves, entra só com a famosa Amélia. A suspeita de branqueamento surge quando vemos a foto de Mário Lago encabeçando o comentário, que se refere muito mais à letra que à música.

Dois dos meus sambas preferidos, Antonico (de Ismael Silva) e Chuvas de Verão (Fernando Lobo), não mereceram lembrança. Assis Valente, imortal autor de Camisa Listrada e Brasil Pandeiro, só foi considerado essencial por causa de O Mundo Não Se Acabou. Paulinho da Viola comparece com duas unanimidades, mas uma é seu mais famoso não-samba, Sinal Fechado. Wilson Moreira, Nei Lopes, Elton Medeiros ou Candeia não fizeram nada de essencial, pelo jeito.

Mas samba é coisa de preto, mesmo. A revista anuncia uma lista de MPB, aquela coisa meio indefinida, mais intelectual, mais cult, certo? Pois Milton Nascimento, autor de obras primas como Travessia, San Vicente e Saudade dos Aviões da Panair, só entra na lista por uma parceria com Chico Buarque (O Que Será?). Benjor não é essencial. Tim Maia, só como cantor. E Luiz Melodia ficou de fora! Hummm...

Chico tem dez indicações, e é o recordista, ao lado de Tom Jobim. Caetano tem quatro, Gil duas, e ambos tem uma parceria (Panis et Circensis). É duro destacar as dez melhores do Chico, reconheço, mas deixar Gota Dágua, Geni e Atrás da Porta para a entrada de Todo o Sentimento, Leve (parceria com Carlinhos Vergueiro) e A Banda deve gerar muita briga no boteco. Convenhamos, a Banda tem um valor histórico inestimável, mas Chico evoluiu muito depois disso, e fez canções bem mais elaboradas.

Ah, mas todo mundo sabe cantar a Banda, podem argumentar alguns. Então, porque Aurora, A Jardineira e Mamãe Eu Quero não estão na lista? O que é ser "essencial", afinal?

As canções contemporâneas, de caráter mais pop, devem causar arrepios nos tradicionalistas. Claro que é muito mais fácil escolher canções consagradas pelo tempo que as que estão em processo de sedimentação na cultura brasileira. Sou menos chato com estas escolhas, e acho mesmo que Lulu Santos, Blitz e Herbert Vianna fizeram canções memoráveis. Sim, são aquelas mesmas que você está pensando nesse momento: Como Uma Onda, Você Não Soube Me Amar e Óculos. Nada que se compare a Pérola Negra ou Magrelinha (Pó, como deixaram o Melodia de fora?) Aliás, porque o Vira, dos Secos e Molhados, é mais essencial que Sangue Latino ou Rosa de Hiroshima?

E o sertão, o imenso latifúndio musical que está impregnado na alma de milhões de brasileiros, no campo ou na cidade? Bem, está lá o Luar do Sertão. Assum Preto marca a influência nordestina. No Rancho Fundo mescla viola e MPB. Surpresa tive com o Drama de Angélica, deliciosa canção satírica de Alvarenga e Ranchinho. Creio que Romance de Duas Caveiras é bem mais conhecido, não? E outros essenciais não foram nem lembrados, como Angelino de Oliveira (Tristeza do Jeca) ou Renato Teixeira (Romaria). Dos violeiros modernos consta Almir Sater, mas só como intérprete da canção Cruzada, de Tavinho Moura e Márcio Borges.

Aliás, Zezé de Camargo não é essencial pra entender um certo Brasil? Registro que não curto as músicas do cara, assim como não suporto pagode, axé ou funk carioca, mas é inegável que ele faz parte da trilha musical brasileira nos últimos 20 anos. Afinal, não se trata de uma lista das minhas preferidas, certamente.

Diz o Houaiss que essencial é o "que constitui o mais básico ou o mais importante em algo; fundamental". Pensando bem, nenhuma lista é, no fundo, essencial.