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Violas contemporâneas

Por Daniel Brazil - 15/03/2010

Seu moço, como eu gosto de viola! Não por ter nascido na roça e crescido ouvindo rodas à beira da fogueira, em noite de lua cheia. Pelo contrário, nasci na primeira capital do Brasil e moro na maior cidade do continente, cercado de prédios e asfalto. Se você quer saber mesmo, nunca tirei leite de vaca, subi em goiabeira ou namorei no mourão da porteira.

A sonoridade da viola veio devagarinho, misturada com os bandolins do choro, as violas de gamba, as rabecas, os violões de doze cordas, as vielas de roda, os alaúdes. Sons de formação, de treinamento do ouvido, de puro prazer sem critério.

Muito Bach, muito Vivaldi, muito Tião Carreiro. E a atenção voltada para os novos violeiros, nos últimos anos: os mestres Renato Andrade, Carreirinho e Helena Meirelles, os continuadores Roberto Corrêa, Paulinho Freire, Almir Sater, Passoca, Ivan Vilela, Adauto Santos, Adelmo Arcoverde, Tavinho Moura, Fernando Deghi, Braz da Viola, Chico Lobo, Yassir Chediak e tantos outros heróicos praticantes do ibérico instrumento de dez cordas.

Pois em 2009 dois CDs de violeiros fizeram bonito, pairando acima dos saracoteios do touro-mercado, sem cair. O primeiro foi o encontro do grande mineiro-brasiliense Roberto Corrêa com o rabequeiro Siba, lá de Pernambuco. Violas de Bronze (independente, 2009) é disco de viola e rabeca, com temas instrumentais e canções de gesta moderna, pois os dois cabras não se furtam a mostrar a voz quando é preciso. Violas de Bronze rodou o Brasil em forma de show, e encantou os modernos pela sonoridade libertária e os versos de misteriosa perenidade. Obra de gigantes, que ainda está para ser devidamente reconhecida.

O outro disco que me encantou foi de um músico consagrado, o maestro e arranjador Jaime Além. Maria Bethania, que não tem nada de boba, um dia encontrou o violeiro de Jacareí e disse: “Venha!”. Isso faz mais de 20 anos, e o caipira devagarinho foi moldando a sonoridade da grande cantora, até desembocar em coisas lindas e definitivas como o CD Brasileirinho, de 2003.

Mas o camarada curte a viola, nas horas vagas. E quem nasce no Vale do Paraíba carrega isso de um jeito especial (como diria Monteiro Lobato, saboreando uma farofa de içá). Dez Cordas do Brasil (Repique Musical, 2009) é mais que uma viola bem tocada. Jaime Além brinca com as possibilidades, experimenta, revisita vários gêneros, traz de volta a memória ancestral de todos nós.

Em 2010, reouvindo Roberto Corrêa, Siba e Jaime Além, dá uma vontade danada de dizer bem alto: “Seu moço, como eu gosto de viola!”.