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Viola caipira contemporânea

Por Daniel Brazil - 20/06/2014

Um pequeno ciclo de concertos promovidos pelo Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, coloca o holofote em cima da nossa viola caipira de dez cordas. Não de forma saudosista ou folclórica, mas atentando para as experimentações renovadoras que talentosos músicos e pesquisadores tem realizado com o velho instrumento de origem ibérica.

É sabido que a viola teve seu apogeu na Era de Ouro do rádio, quando era empunhada por duplas paulistas e mineiras que disputavam as paradas de sucessos com as estrelas do samba, do bolero e das marchinhas. Teve um momento simbólico de resistência durante a era dos festivais, pela mão de músicos como Heraldo do Monte e compositores como Téo de Barros, Geraldo Vandré, Sidney Miller e Adauto Santos, mas sucumbiu perante o advento das guitarras elétricas, no final dos anos 60.

Recolhida ao nicho das tradições rurais, a viola passou um bom tempo sendo considerada um instrumento de Jeca Tatu, confinada aos rincões mais remotos do país. Foi preterida pelas duplas neo-sertanejas, interessadas em produzir uma música forrada de teclados eletrônicos, guitarras e baixo elétrico, com cara mais “urbana”.

A rica sonoridade da viola acústica, no entanto, chamou a atenção de uma geração de jovens músicos que, respeitando a rica tradição, ousaram apontar novos caminhos harmônicos e melódicos, integrados à moderna MPB. É inestimável a contribuição de compositores como Tavinho Moura, Almir Sater e Renato Teixeira, entre outros, para essa renovação.

Foi o passo para que um grupo de instrumentistas procurassem fazer o famoso pacto com o Capeta, desenvolvendo as lições de mestres como Zé Carreiro, Tião Carreiro e o cult Renato Andrade. Hoje existem em São Paulo várias formações de jovens violeiros, orquestras regionais de viola, e até cursos de nível superior dedicados à viola, graças ao empenho de pesquisadores e músicos como Ivan Vilela.

Um retrato desse bom momento que vive a viola caipira-contemporânea pode ser conferido no ciclo de concertos promovido pelo Museu da Casa Brasileira (SP), em junho e julho de 2014. Aberto no dia 18 de junho com o grupo Conversa Ribeira, promete ainda o Paulo Freire Trio, o quarteto Viola Arranjada com o grupo Catira Espora de Prata e a Orquestra Filarmônica de Violas com participação do cantor Renato Braz.

Conversa Ribeira é um trio de piano, viola e voz que realiza um belíssimo trabalho de releitura de clássicos caipiras, fazendo conexões com canções compostas por Milton, Edu Lobo, Dori Caymmi, Almir Sater e outros craques. No segundo CD, Águas Memórias, lançado em 2013, registram também composições de autoria própria.

O grupo, que existe desde 2002, impressiona pela grande coesão no palco, além do brilho instrumental e originalidade dos arranjos. Andrea dos Guimarães tem um desempenho arrepiante no palco, e modula com perfeição os momentos emocionais com sua bela voz. O pianista e acordeonista Daniel Muller constrói climas envolventes para a viola faiscante de João Paulo Amaral, que também realiza bom trabalho vocal em dueto com Andrea.

A julgar pelo concerto de abertura, o ciclo Viola em Casa Brasileira deve entusiasmar o público, aquecendo as frias noites do inverno paulista. A programação é gratuita, e pode ser conferida aqui: http://www.mcb.org.br/mcbItem.asp?sMenu=P009&sTipo=1&sItem=2771&sOrdem=0. Boa oportunidade para assistir a este belo renascimento da viola no século XXI, exemplo de inclusão musical que promete boas surpresas.