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As viagens sonoras de Tiago Araripe

Por Daniel Brazil - 28/07/2021

Início dos anos 80. Um forte movimento musical independente, longe das rádios comerciais, eclodia em São Paulo. O teatro Lira Paulistana ficou na história por reunir artistas que retratavam a inquietação estética do período, mesclando várias influências, inventando novos formatos musicais e poéticos, e ampliando o leque estético da música popular brasileira.
O teatro virou selo, gravadora, lançou discos fundamentais sob a direção de Wilson Souto Jr. O LP de estreia foi Beleleu, de Itamar Assumpção. O segundo, de Tiago Araripe, Cabelos de Sansão, em 1982. Trazia canções marcantes, com versos inusuais e uma sonoridade construída com a presença de vários músicos que se tornaram reconhecidos nacionalmente.
Como vários artistas do período, Tiago Araripe não virou sucesso radiofônico. Trilhando caminhos mais alternativos, compôs trilhas para cinema (o clássico “Sargento Getúlio”, por exemplo) e teatro. O segundo disco, Baião de Nós, veio em 2013, sem muito repercussão. Antes, em 2008, o fã declarado Zeca Baleiro relançou em CD o Cabelos de Sansão, pelo seu selo Saravá Discos.
Tiago Araripe completa 70 anos em 2021. Morando em Portugal desde 2018, lança agora o disco Terramarear, reunindo músicos de vários países. Realizado por meio de financiamento coletivo, o novo trabalho mostra que Araripe não perdeu o pique. A primeira faixa é justamente uma parceria com Zeca Baleiro, Você É Um Oásis. Nas 14 faixas, há participações de Vânia Bastos, o próprio Zeca Baleiro, Isadora Melo, Marcos Lessa e a cantora portuguesa Mara. O grande violonista Nonato Luiz participa tocando numa faixa composta em parceria, Seis Cordas. Aliás, músicos de vários países contribuem para a sonoridade das canções.
Para quem não conhece, o disco pode surpreender. Pra quem já curtia Tiago Araripe, versos como “Diante de silêncios de gelo, / eu me calo / pelos cotovelos” só confirmam a verve inquieta do trovador cearense-universal, que incorpora agora temperos afro-lusitanos em sua culinária musical.
Para os mais velhos, a capa traz lembranças afetivas. Terramarear era o nome de uma coleção de livros de aventuras que fez parte da adolescência de muita gente da geração de Araripe, entre outras. Belo trabalho de Rodriguez Junior, recuperando a estética de livros que marcaram época.