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Vanguarda paulista: de volta ao futuro

Por Daniel Brazil - 23/07/2015

Certas palavras, de tão usadas, perdem o sentido original. Algumas entram na moda e são repetidas, limadas, desgastadas, até virarem bagaço, sem gosto e sem graça. Algumas passam por um período de repouso no labirinto dos dicionários e, de repente, renascem revigoradas. Ainda espero o dia em que a palavra supimpa, que eu acho bem bacaninha, volte a ser usual. Aliás, bacaninha também anda meio fora de moda...

Conheço uma moça que sempre declara que aquele... (show, disco, filme, sorvete, etc.) é o máximo. A vida dela é feita apenas de máximos, o que acaba dando a impressão de que ela tem uma sensibilidade mínima. Mas todo esse preâmbulo é para dizer que o encontro entre Ná Ozzetti e o Passo Torto é sensacional, arrepiante, tortuosamente belo, supimpa. Ou, como diria minha amiga, simplesmente o máximo!

A trajetória de Ná Ozzetti, uma de nossas maiores cantoras, é bem conhecida. Principal voz do grupo Rumo, na chamada vanguarda da música paulistana do final da década de 70 e meados dos anos 80, sempre foi antenada com o que de mais instigante rolou na música popular brasileira. Gravou Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé e, claro, Luiz Tatit, fez releituras de Rita Lee, foi do pop ao rock sem perder a elegância. Inteligente, percebeu que uma vã-guarda não se sustenta se não tiver enraizada no passado. Fez dupla caipira com Suzana Sales, cantou com violeiros, mergulhou nos antigos com o Rumo, estudou e regravou o legado de Carmen Miranda. Também toca e compõe, o que faz com prestemos muita atenção nas canções que escolhe para interpretar.

Já o Passo Torto, com dois CDs no currículo e centenas de shows na memória do público, é venerado pelos modernos de Sampa. O quarteto formado por Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Rômulo Fróes e Marcelo Cabral reúne instrumentistas-compositores-criadores de radical musicalidade. Existe uma intersecção com outras formações, como o merecidamente festejado Metá Metá (Kiko Dinucci, Thiago França e Juçara Marçal). Pra aumentar a confusão, o CD de Ná Ozzetti e Passo Torto chama-se... Thiago França!

O sax de Thiago não comparece no disco, que está disponível para audição http://www.urbankulture.com.br/thiago-franca-o-novo-trabalho-do-passo-to... e download gratuito na rede. Mas o espírito criativo e inquieto que liga estes grupos está ali, plasmado em composições intrigantes, angulosas, estranhamente belas. Caos urbano, flashes da realidade, crônicas líricas e cruéis extrapoladas em uma música nervosa, tensa, e... (caramba, será que todos os adjetivos estarão gastos?)

Enfim, música brasileira urbana do século XXI. E, para encerrar de forma contemporânea, “boa pra caralho!”
PS: Pela primeira vez na vida uso essa expressão em público. Espero que as mocinhas do século XX me perdoem...