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Uma noite em 67

Por Daniel Brazil - 30/08/2010

Uma Noite em 67 é um filme essencial pelo momento mágico que apresenta. Somos transportados desde as primeiras imagens até o Teatro Paramount, à final do 3º. Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. O festival que revelou Caetano e Gil, que consagrou Chico e Edu Lobo, que estigmatizou Sérgio Ricardo.

Alguns entrevistados revelam o contexto sócio-político do festival. O diretor do festival, Solano Ribeiro, conta que tudo era montado como um show de televisão ao vivo. A televisão brasileira estava entrando na era comunicação de massa, e aquilo mobilizava a audiência, mais que qualquer novela. Havia torcidas organizadas, e discutiam-se prognósticos nos bares, nas escolas, nos locais de trabalho.

O festival marcou a introdução da guitarra elétrica na música brasileira, através dos tropicalistas. A polêmica sobre a introdução de elementos “exóticos” na nossa música era permeada de argumentos políticos, onde a guitarra era símbolo do imperialismo. Artistas como Elis Regina, Edu Lobo, Jair Rodrigues e Gil saíram às ruas em passeata, protestando contra a intromissão eletrônica. Curiosamente, Gil subiria ao palco poucos dias depois, acompanhado pelos Mutantes, com Sérgio Dias empunhando o satanizado instrumento, para defender a mais bela canção do festival: Domingo no Parque. Ficou em segundo lugar.

Gil diz ter sido convencido por Elis, na entrevista filmada pelos diretores, a participar da passeata. Caetano diz que ficou na janela do hotel, com Nara, achando aquilo absurdo. Gil confessa que se sentia muito dividido, além de apavorado pelo clima de competição. Este sentimento é compartilhado por todos os protagonistas: Ninguém dos entrevistados sente saudades daquela noite. Como diz Edu Lobo, eles se sentiam como cavalos numa corrida.

Mas para quem assistia, aquilo era um respiro, um momento de explosão, de catarse. A ditadura ainda não mostrara toda sua crueldade, e o embate entre a música brasileira “de raiz” e a música pop teve ali sua primeira pororoca. No meio, sem entender muito o que estava acontecendo, vemos Roberto Carlos defendendo um samba de Luiz Carlos Paraná. Já Rei da Jovem Guarda, atendia a uma ordem do patrão, Paulo Machado de Carvalho, para que defendesse uma música no Festival. Sem direito a escolha.

Aquela noite de 67 é tão rica, tão cheia de simbolismo, que merecia um filme menos preguiçoso. Vemos a platéia envolvida, vaiando, gritando, chorando, cantando, em imagens da época. Ninguém deste público é entrevistado. Não sabemos se estar ali, naquele momento, mudou a vida de alguém. Conversar com os classificados é meio óbvio, e deve ter sido bem difícil falar com Roberto Carlos. Mas por que nenhuma mulher é ouvida? Cidinha Campos, presente em todos os momentos do filme em divertidas entrevistas de bastidores, é ignorada. Assim como a grande cantora Marília Medalha, que dividiu a interpretação vencedora com Edu Lobo. Ou Rita Lee, que acompanha Gil em Domingo no Parque, com os Mutantes. Faltou a voz e a visão feminina nessa história...

Chico Buarque tinha 23 anos. Caetano, 24. Edu Lobo, 22. Gil, 23. Sidney Miller, que não aparece no filme, levou a melhor letra, com a Viola e o Violeiro. Tinha 22 anos. Elis, também 22, outra “limada” do filme, foi a melhor intérprete por “O Cantador”, de Dori Caymmi e Nelson Motta.

Uma geração difícil de ser superada em quantidade de talentos. Depois daquela noite, em 1967, no velho teatro paulistano, a música brasileira nunca mais seria a mesma.