Artigos

Um Trio Viralata, sempre ao vivo

Por Daniel Brazil - 06/12/2006

O ano de 2003 foi surpreendido pela chegada ao mercado independente de um disco inusitado, onde se juntavam violão, gaita e percussão: Um Trio Viralata, formado por Guga Murray, Vitor Lopes e Marcelo Costa. Misturando choros clássicos e temas originais com pitadas de jazz, o CD de estréia ainda tinha a peculiaridade de ser gravado ao vivo, em São Paulo.

O trabalho teve boa recepção da crítica e do público. O trio circulou pelo Brasil e pelo exterior, aumentou o repertório e partiu para o segundo CD. Mais uma vez fugindo do previsível, lançam em 2006 outro “ao vivo” (Viragem, independente, distribuído pela Tratore). Mais surpreendente ainda: gravado na França!

Obviamente, não se trata de um grupo comum. A própria história de cada um já mostra uma soma rara de talentos, voltados para a busca de um som diferenciado. Guga Murray é formado em Composição e Regência e tem várias peças interpretadas por outros violonistas. Vitor Lopes é figura conhecida do choro paulista, tocando em diversas formações e marcando presença pela habilidade e amplitude de repertório. Marcelo Costa estudou Percussão Erudita e circula com naturalidade entre os as salas de concerto e as rodas de choro e samba.

A música dos três é marcada pela pesquisa de ritmos brasileiros, pela liberdade de improvisação e pela originalidade nas composições. Como diz o maestro Nelson Ayres, na apresentação do novo CD: “Convenhamos: violão, gaita de boca e pandeiro é uma formação limitada pra chuchu. Mas Guga, Vitor e Marcelo transformam a limitação num bom motivo para transcender na criatividade”.

Se no primeiro trabalho ainda trabalharam com alguns temas conhecidos, no novo disco todas as composições são próprias. Há aqui e ali toques de choro, de frevo e de samba, entremeados com formas musicais livres que magnetizaram a comportada platéia de Penvenan, na Bretanha, em fevereiro deste ano. Os aplausos e exclamações de admiração ao final de cada peça atestam o impacto causado pelo jovem trio.

É notável a influência de mestres como Egberto Gismonti, com a incorporação de ruidismos e a concepção de pequenas suítes baseadas em ritmos populares. Eles mesmos reconhecem terem aprendido muito ouvindo Moacyr Santos e o próprio Nelson Ayres. Trafegam na mesma pista de um Duofel, no sentido de buscarem integrar sonoridades brasileiras e universais num projeto comum.

Para a maioria do público, o grande diferencial dos Viralatas acaba sendo a gaita de Vítor, sonoridade rara em terras tupiniquins. Há por aqui bons gaitistas de blues, mas poucos seguidores de um mestre como Edu da Gaita ou um criador como Mauricio Einhorn. Vitor Lopes, ao lado do brasiliense Gabriel Grossi, forma a linha de frente da nova geração do instrumento, tanto na criação quanto na interpretação.

Guga Murray chega à maturidade como compositor, sendo responsável pela maior parte das faixas. E Marcelo faz ousada experimentação dos limites percussivos, chegando ao pianíssimo e fazendo a platéia prender a respiração.

Ouvir em seqüência os dois discos do trio nos dá a impressão de um único show em que cada vez mais vão se expandindo as possibilidades sonoras dos instrumentos, com os músicos ficando mais soltos e ousados. Talvez seja a hora de concentrar esse material e entrar no estúdio para um registro formal. Enquanto não chega este momento, curta o espetáculo “ao vivo” destes simpáticos Viralatas!