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A trilha sonora do Brasil na Copa

Por Daniel Brazil - 19/05/2014

A música, paixão do povo brasileiro, sempre andou junto com outras paixões, como boteco, cachaça e futebol. Não são poucos os compositores que criaram canções citando seus times e seus ídolos do gramado. Numa linhagem que nasce na primeira metade do século XX, passa por Lamartine Babo – compositor de grande parte dos hinos do futebol carioca, apesar de torcer pelo América -, Ary Barroso (também locutor de futebol, da copa de 50) e desemboca em compositores contemporâneos. Chico Buarque nunca escondeu sua paixão pelo futebol, revelada em várias canções. Adoniran não perdeu a oportunidade de falar do Corinthians, assim como outros compositores paulistas.

O vascaíno Aldir Blanc (Mendonça ou Dinamite?), não deixou de citar o Flamengo em Incompatibilidade de Gênios. Os Novos Baianos gravaram um disco com o nome de Futebol Clube. Pixinguinha compôs o choro 1 X 0, que muito depois recebeu letra primorosa de Nelson Ângelo. Jackson do Pandeiro lembrou que o jogo não pode ser 1 X 1 em 1954, ano de Copa. Gil falou de Afonsinho, e também lembrou o tempo em que Lessa era o goleiro do Bahia (“um goleiro, uma garantia”). Baltazar, Garrincha, Pelé, Tostão, Sócrates e outros craques foram devidamente homenageados. Jorge Benjor tem mais de dez letras falando de futebol. Só não fizeram samba pro Friedenreich porque não acharam rima... Mineiros e nordestinos registraram em música a paixão por seus times. Lupicínio compôs o hino do Grêmio, como todo gaúcho sabe (até os colorados). Mas... e a seleção? E as Copas? Serão lembradas apenas por marchinhas ufanistas de ocasião?

A verdade é que Copa do Mundo passou a fazer parte de nossa história como tragédia, em 1950. Antes da final fatídica, tudo era festa. A torcida cantava Touradas em Madri, do Braguinha, durante a vitória contra a seleção da Espanha, uma lambada de 6 X 1. Alguém lembra se há alguma música falando da tragédia, na final? No Uruguai deve haver, certamente. As marchinhas acabaram virando jingle, reclame, propaganda promocional de todas as copas. Influência da Copa de 58, que emplacou o primeiro sucesso “A Taça do Mundo É Nossa”. Os autores da façanha foram quatro publicitários, Wagner Maugeri, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Victor Dagô. Diz a lenda que foi composta na véspera da final, e imediatamente gravada pelos Titulares do Ritmo. A versão que é tocada até hoje tem a assinatura da Orquestra e Coro da RGE (gravadora). O sucesso foi tanto que dominou a Copa de 62, no Chile, e embalou o bi-campeonato. Até arriscaram um Frevo do Bi (Silvério Pessoa), mas não emplacou. De 66 não se fala nada, claro.

Para o ressurgimento, em 1970, outro craque foi convocado: Miguel Gustavo (1922-1972, foto acima), autor de vários sambas de breque imortalizados por Moreira da Silva, e também jornalista, radialista e publicitário. “Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração…” foi composta como “Setenta milhões”, e depois atualizada pelo censo do IBGE. Adotada pela ditadura militar, que vivia o auge dos anos Médici, a marchinha também caiu no gosto do povo, e foi lembrada sem remorso na copa seguinte. Novamente estávamos de ressaca pela conquista definitiva da Taça Jules Rimet, e não houve uma canção marcante. A Copa de 78, na Argentina, teve Corrente, hoje esquecida. Já a seleção de Falcão, Sócrates e Zico, em 82, foi embalada pela primeira canção composta por um jogador, o lateral Junior (Voa, canarinho, voa).

O voo foi bonito, mas curto. Em 86, “Mexe, Coração” tentou animar a torcida. Até Gal Costa entrou na roda gravando Setenta Neles, mas a atuação medíocre do time enterrou qualquer lembrança musical. As copas seguintes tiveram canções promocionais, patrocinadas por grandes empresas ou emissoras (Papa Essa, Brasil, 1990, Italia; Coração Verde-Amarelo, 1994, EUA), porém a maré baixa da seleção continuou jogando as marchinhas no esquecimento. Desde a década de 60 a FIFA farejava o potencial musical da Copa, e passou a adotar “músicas oficiais”. Em 1998 foi o ano do ex-menudo Ricky Martin (La Copa de La Vida). Em 2002, no Japão, a rede Globo apostou suas fichas em Ivete Sangalo, e A Festa acabou marcando a conquista do penta. Em 2006 a FIFA experimentou até uma versão de Mas que Nada, de Jorge Benjor, arranjo de Sergio Mendes para o grupo Black Eyed Peas, mas não emplacou por aqui. A musa da Copa da África foi Shakira...

Para 2014, La la la (Shakira e Carlinhos Brown!) é candidata, mas tem a concorrência do sambista Arlindo Cruz, que fez um samba explicando toda a tabela dos jogos (https://www.youtube.com/watch?v=Bqp4JWuCSyc). Bem humorado, mas com letra que só os fanáticos por futebol vão decorar. Gaby Amarantos e Monobloco também arriscaram a sorte (https://www.youtube.com/watch?v=Lme2WbbQCLs). A música oficial da FIFA tem o americano Pitbull, acompanhado por Jennifer Lopez e Claudia Leitte, com participação do Olodum (https://www.youtube.com/watch?v=TGtWWb9emYI#t=98), e não empolga muito, até agora. Quem sabe embalam mais uma vitória e se tornam clássicos? O futuro dirá.

Para o torcedor comum, provavelmente as históricas marchinhas de 1958 e 1970 continuarão ecoando na memória. Os torcedores comuns com mais de 50 anos, claro...