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Sobre a crítica

Por Sérgio Santos - 18/05/2011

Tenho visto muita gente vociferar contra o exercício da crítica. Não penso assim. Acho, pelo contrário, que uma crítica competente teria um papel fundamental para balizar essa balbúrdia estética atual. O problema não está na crítica em si, mas nos críticos! Com raríssimas excessões, e há excessões, são absolutamente despreparados para exercer a missão para a qual se propõe, são superficiais, se baseiam em seu gosto pessoal, tendenciosos, soberbos e por vezes rancorosos. O que a maioria faz é determinar a gaveta para qual um trabalho vai. E só! No mais, copy and paste de release. Mas eu gostaria sim de ver uma crítica competente na música! Hoje ela seria de grande importância, caso tivesse a mesma excelência que se exige da arte.

A atividade da crítica não requer apenas informação. Crítica exige análise, o que implica em um mínimo de formação para se compreender o valor estético que tem ou não uma obra. Crítica não é apenas contextualizar, como dita a cartilha do que passou a ser o padrão crítico atual, mas é avaliar o próprio "texto" da obra, aquilo que o autor quer dizer, e como escolheu dizer. O significado de uma obra não é apenas aquele que a relaciona com o tempo e com o mundo, o que por si só já exige um grande conhecimento histórico; ela tem significados nela mesma, contidos nas escolhas do autor, na sua maneira específica de construir e de usar a linguagem escolhida, e que exigem da crítica mais que determinar a gaveta onde ela vai morar na loja (que já nem existe!). Falando na terminologia da estética, é preciso desvendar a "poética" do autor. Para isso, no caso específico da linguagem da música, é necessário compreender a sua sintaxe, ou seja, um mínimo de harmonia, fraseologia musical, dinâmica, timbre. Tudo bem, sei que mesmo a crítica habilitada já cometeu erros históricos. A crítica detonou Villa Lobos por ser prolixo. Bombardeou Stravinsky e sua Sagração da Primavera, porque os fagotes da abertura soavam fora da região habitual, não conseguindo ver na obra-prima mais que um amontoado barulhento. Mesmo Tom Jobim vivia às turras com ela, taxado de americanizado. Vê-se por aí, que mesmo a crítica preparada sempre vai a reboque da inovação estilística. Mas estamos falando "apenas" de Stravinsky, Villa e Tom, três gênios inovadores. No entanto, não é propriamente inovadora a época que vivemos. Se a crítica atual não atua como deve, não é exatamente por não compreender inovações. O buraco é mais embaixo!

Hoje em dia não consigo deixar de ver o papel importante que teria uma crítica consistente, com a profusão de material que se se lança diariamente no mercado, a grande maioria sem o nenhum preparo necessário para tal. Uma crítica que não se rendesse ao senso comum seria fundamental nos dias de hoje, e poderia ao menos apontar para um mínimo de critérios que a cada dia se perdem mais, diante da distorção do conceito do "pode-se tudo e todos podem" que se tornou a nossa produção musical com o aporte da tecnologia. Dirão que não estou sintonizado com o tempo atual. E provavelmente não esteja mesmo! Mas ainda que estivesse eu fora de sintonia, pra mim está mais que claro que o papel que a mídia tradicional exerce é cada vez menor na opinião das pessoas diante da internet. Mas não é o meio que está errado, é o conceito de crítica que está!! Na internet predomina o mesmo enfoque que se vê na mídia tradicional, ainda piorado em muitas vezes pela superficialidade e rapidez que o meio digital exige. Sei também que essa própria mídia tradicional reduz cada vez mais o espaço ao raciocínio dentro de suas próprias publicações, espaço esse que, diga-se de passagem, nunca foi mesmo muito grande. Sei que as restrições que, por exemplo, um jornal qualquer impõe a um crítico – que possa ser capacitado e bem intencionado – são imensas, desde o próprio espaço destinado a ele, até o dirigismo editorial. Tudo bem, mas ainda assim me agradaria imensamente ler uma crítica consequente, que soubesse perceber o papel que certas obras ignoradas têm. Ou que desancasse com muitas das baboseiras sem conteúdo que são louvadas hoje, pelo simples fato de se dizerem fora da indústria, como se isso tivesse valor estético em si. E não me isento disso: gostaria de ser criticado devidamente, que me apontassem onde posso melhorar, onde errei, onde acertei. Isso faz falta, pelo menos a mim, como artista! Mas, pelo amor dos meus bemóis, com conhecimento de causa!!!!!

Como já disse, sei bem como soa um pouco anacrônico o que disse acima. Mas o fiz porque realmente não concordo quando alguém quer eliminar a crítica. Acho ela hoje ainda mais necessária! O problema está mais naquilo que envolve o seu exercício do que nela em si. Ela em si poderia estar, se bem realizada, muito mais perto de contribuir com uma solução do que de ser um problema.


(Sérgio Santos é músico e compositor).