Artigos

A retomada das ruas pelos foliões

Por Daniel Brazil - 16/02/2016

O carnaval de 2016 será memorável para muita gente. Em Salvador, uma fábrica de cerveja provocou protestos ao monopolizar a festa, em conluio com a prefeitura. Em Recife houve recordes de participação. No Rio, a Mangueira venceu depois de vários anos de espera. Em São Paulo, a Império da Casa Verde teve história parecida. Mas não foram as escolas a principal atração paulistana, e sim a histórica ocupação das ruas por centenas de blocos que enterraram de vez aquela velha piada sobre “túmulo do samba”.

Foram 355 blocos registrados oficialmente, fora os não oficiais. Centenas de milhares de pessoas pularam nas ruas, cantaram velhas marchinhas, inventaram fantasias, divertiram-se como nunca. As manchetes falaram em “explosão de blocos”, “renascimento do carnaval”, e “retomada”, mas poucos tentaram aprofundar a origem do fenômeno.

Primeiro, é preciso lembrar que o Carnaval de rua paulistano tem uma história muito antiga. No início do século XX os corsos na avenida Paulista atraíam um grande público, disposto a enfrentar as famosas batalhas de confete. O quase desaparecimento dos blocos se deu no período da ditadura militar, que estimulou o confinamento dos foliões aos salões dos clubes e às escolas de samba. Mesmo assim, alguns corajosos insistiram na defesa da festa a céu aberto, como a famosa Banda Redonda, criada por 1974 por Plínio Marcos e um grupo de músicos e artistas, e ainda na ativa. Outras bandas, como a do Candinho, no bairro do Bixiga, ou a Vai Quem Quer, de Pinheiros, também foram fundadas na década de 70.

Novos blocos vinham surgindo, nos últimos anos. No ano passado, bandas como a Sargento Pimenta, que toca músicas dos Beatles em ritmo carnavalesco, já lotara a avenida Sumaré com um público predominantemente jovem. A ocupação das ruas, porém, não se dá no contexto apenas carnavalesco. Não podemos esquecer que as grandes passeatas de junho de 2013 significaram uma recuperação da rua como espaço público, político e cultural. Muitos jovens que se encantaram com aquela poderosa sensação de apropriação da cidade provavelmente estavam pulando em blocos no ano seguinte. A praça é novamente do povo, seja para protestar, seja para se divertir.

Outro fator marcante foi a postura da prefeitura municipal. O polêmico fechamento da Avenida Paulista aos domingos já apontava na direção de transformar o asfalto num área de lazer acessível a todos. O diálogo prévio com os blocos, o desvio do trânsito de ruas e avenidas, a distribuição de itinerários em várias regiões da cidade (nas áreas periféricas o aumento de blocos foi estimado em 44%) e o fornecimento de infraestrutura -banheiros químicos, limpeza, ambulâncias de plantão - foram bem sucedidos. A proibição de abadás ou qualquer forma de cobrança para participar dos blocos também pode ser vista como um fator de democratização da folia.

Curiosamente, a própria avenida Paulista esteve tranquila durante o Carnaval. Nenhum bloco foi programado para o local, que acabou virando um refúgio para os não-foliões. No resto da cidade, a o carnaval imperou. Mesmo no fim de semana seguinte, vários blocos ainda arrastaram multidões e multidinhas para o enterro dos ossos.

Bandas temáticas, marchinhas críticas, blocos de sujos, fantasias desvairadas, criançada em festa, velhinhas remoçadas, muito calor e corpos seminus. O tempo ajudou, claro. Mas tudo indica que esta retomada das ruas não tem mais volta em São Paulo. Os novos blocos vieram para ficar.