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Pontes para Si

Por Daniel Brazil - 07/09/2014

Desde que surgiu, no cenário independente paulistano, o grupo Pitanga em Pé de Amora equilibra-se em uma curiosa contradição. É uma banda formada por jovens, mas sua música soa como aquilo que se convencionou chamar de MPB “clássica”, com letras e sonoridades que remetem a canções da década de 60 ou 70. Ora lembra o Clube da Esquina, ora soa como Edu Lobo, às vezes tem algo de Paulo César Pinheiro.

Há algo de extraordinário nisso, uma vez que tocam e cantam suas próprias composições, escritas em pleno século XXI. Não fazem releituras, versões ou covers. A opção estética do grupo difere de qualquer grupo contemporâneo: quase não utilizam instrumentos elétricos (exceção para um bom solo de guitarra na faixa Sonhos Lúcidos); as letras não abordam temas cotidianos de jovens urbanos, e sempre aspiram alguma transcendência atemporal. O único grupo que tm alguns pontos em comum com os Pitangas, a Trupe Chá e Boldo, é mais anárquica e pós-tropicalista, e tem um pé decididamente fincado na modernidade.

A opção do Pitanga em Pé de Amora cria um saboroso problema para quem ousar classifica-los. É comum em qualquer lugar do mundo a existência de grupos que se dedicam a uma determinada época ou gênero. Na música de concerto, por exemplo, há grupos dedicados à música medieval, renascentista, barroca, clássica, romântica e contemporânea. Mas certamente é visto como um bicho estranho um compositor que escreva peças renascentistas ou românticas nos dias de hoje. Passadista, para dizer o mínimo. Exige-se invenção de um compositor. Se não, pelo menos o domínio das formas musicais de seu tempo.

Música popular tem um viés parecido. Os compositores de gênero, seja samba, tango rap ou música caipira, adquirem certa transversalidade no tempo, muitas vezes se limitando a repetir as fórmulas tradicionais. O que é um inventor, nos dias de hoje? Tom Zé, Caetano, Criolo? Talvez estejamos assistindo, com o Pitanga em Pé de Amora, uma nova recolocação desta dúvida. A surpresa surge exatamente da falta de necessidade de surpreender. Os Pitangas querem fazer boa música, retomando os trilhos da melhor música que este país já ouviu, segundo os Pitangas.

Mas soa autêntico um grupo de jovens paulistanos falando de pescador, rede, chão, Ceará, alma de poeta, força da inspiração? Experimente: o recém-lançado CD do Pitanga em Pé de Amora, Pontes de Si, está disponível na rede para audição e download. Os arranjos caprichados tocados com precisão mostram o amadurecimento do grupo. O CD conta com a produção certeira de Swami Jr. e participação especial de Mônica Salmaso (que divide os vocais da faixa Ceará com Flora Poppovic), Lulinha Alencar (acordeon), Fi Maróstica (baixo), Douglas Alonso (percussão) e o craque dos sopros Teco Cardoso. É boa música, tocada e cantada com capricho, que coloca um belo ponto de interrogação nos caminhos da música popular brasileira contemporânea.