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Pitanga em pé de amora

Por Daniel Brazil - 25/02/2011

O nome estranho pode remeter a grupos naturebas ou de viés surrealista. Afinal, já conhecemos abóboras, cogumelos e outros vegetais na música brasileira. Mas a imagem de espécies bem brasileiras, destas que dão em qualquer calçada ou quintal, indicam outro caminho. Afinal, quem adivinha que frutinhas tão modestas como amora ou pitanga tenham sabor tão marcante?

Os rapazes (e a moça) que formam o grupo Pitanga em Pé de Amora começaram há pouco tempo, mas demonstram no primeiro CD a firmeza de suas raízes: a música brasileira que entremeia o samba, o choro, a toada, a valsa, a marchinha, a canção urbana.

O grupo optou pelo uso de instrumentos acústicos, tratados com capricho. O violão de 7 cordas de Daniel Altman é o centro de gravidade musical, formando dupla afinada com Diego Casas (violão e voz), que é também o principal letrista. Os instrumentos de sopro acrescentam timbres sofisticados. Angelo Ursini brilha nas intervenções de sax, clarinete e flautas. Gabriel Setubal acrescenta um trompete, além de brincar também com violão e voz. Tudo isso é coroado pelo vocal suave de Flora Poppovic, que tempera algumas canções com uma percussão leve e precisa. Às vezes as vozes (opa!) soam em conjunto, como na bela Meu Caminho, completando e enriquecendo a textura instrumental. Chama a atenção o fato de que o grupo interpreta apenas composições próprias.

É nesse ponto que nossa curiosidade se aguça. São composições maduras, adultas, que exploram sutilezas e detalhes pouco comuns ao repertório de jovens de menos de 30 anos. Alguns versos revelam a influência de Vinicius da fase Baden, Paulo César Pinheiro (Melhor Assim), Noel (Choro), Chico, Paulinho da Viola...

Influências de respeito. E mesmo sem contar com vocalistas excepcionais, a sinceridade do canto dos Pitangas nos pega pelas orelhas. Com poucos instrumentos, são capazes de criar climas envolventes, intimistas ou brejeiros. A delicadeza de Flora em uma canção como Maré Baixa torna a audição tão saborosa como uma doce amora. O fox que fecha o CD, marcado por um walking bass acompanhado de guitarra acústica, bateria com vassourinhas e flauta, dá um toque de surpresa ao conjunto. Ali, o vocal de Flora e o solo de trumpete com abafador são definitivos. Uma pitanga em pé de amora.

Como os colegas de geração da Trupe Chá de Boldo (da qual já falamos aqui na RMB), os Pitangas prometem muito. É difícil imaginar um cenário futuro da canção paulista sem a participação desses dois bandos musicais. A Trupe é mais anárquica, mais criativa nas letras, menos virtuosa nos instrumentos e nas composições. Uma pitada de chá de boldo cairia bem na musicalidade dos pitangas. É como se uns fossem pós-tropicalistas, e outros pré-tropicalistas. Se ficarem mais irreverentes – no sentido estrito da palavra, ou seja, menos reverentes aos mestres – os Pitangas podem explodir. Talento para isso não falta, basta ouvir a estimulante estréia.

Outro sinal dos tempos: apesar de prometerem o CD físico para breve, disponibilizaram todas as faixas pela internet. Anote aí: www.pitangaempedeamora.com.br. Baixe e se delicie com música brasileira de fina extração, com o sabor comum e raro de pitanga e amora. Entendeu?