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Patrícia Bastos e Mona Gadelha

Por Marcio Paschoal - 24/07/2013

Duas cantoras, dois discos, diferentes caminhos e algumas coincidências: a amapaense Patrícia Bastos (foto) lança seu quinto CD (Zulusa) e a cearense Mona Gadelha vem com seu sexto trabalho (Cidade Blues Rock nas Ruas).


Do primeiro nota-se claramente a intenção experimental na junção de ritmos regionais com ingredientes mais urbanos e sotaques modernos. Patrícia reúne craques da terra, como Val Milhomem, Floriano, Felipe Cordeiro e Joãosinho Gomes a nomes como Vitor Ramil, Dante Ozetti, Guinga, Luiz Tatit e Celso Viáfora, entre outros.

Um certo experimentalismo, algumas novidades na ponte São Paulo-Macapá, em produção de Dante Ozetti e Du Moreira. São instrumentos de percussão (caixa de marabaixo, curimbó com baqueta, caracrachá e conga de madeira) afinados eletronicamente a servir como base harmônica para Dante.  Corre-se o risco de esbarrar num certo hermetismo pela estranheza de algumas misturas. No entanto, soam por vezes familiares e sonoras, como a dizer do belo amálgama nos batuques e na poesia, como na canção que nomeia o disco, de Viáfora e Gomes (...cafuza sim confusa não, nasci do plim duma fusão, fuzarca em mim, não confusão, eu sou tupi lá do Sudão...) . Aliás, o encarte informa que Zulusa vem da união de zulu com lusa (lusitana) que, somada ao índio, constitui a origem ancestral da cantora  e também a essência do povo do Amapá.  A ótima “U Amassu e u Dubradu”, meio em dialeto e beirando a sina dos três amores de Teresinha, é uma das melhores faixas. 

Outro achado é “Miss Tempestade”, de Ramil e Ricardo Corona (dor assim eu carrego com calma, sem medalhas, gases, anestesias, álibi algum alivia minha alma, dor assim eu carrego com charme, doendo mais que a lâmina dos dias...). Patrícia Bastos mostra sensível evolução, mormente na seleção aguda do repertório. Aí, deve-se suspeitar da companhia de Dante, avesso a repetições baratas e pesquisador nato.  Um disco surpreendente e que merece atenção.


Já o disco blues-roqueiro da cearense Mona Gadelha, produzido por Alexandre Fontanetti,  passeia por um velho estilo. Algumas canções do disco já foram moldes seguros para Rita Lee (“Mamãe Carinhosa” e Angela B”), Lula Cortes (“Cidade Blues”) ou mesmo Erasmo (“Incorrigível). Pode soar crítico, mas trata-se mesmo de um desafio gravar rock. Mesmo Lobão tendo avisado de sua morte.  Mona, jornalista e escritora, arrisca-se ainda mais que Patrícia, movendo-se num terreno tão perigosamente conhecido e revisto.  Ainda assim há viço e uma latente autenticidade. O que não é pouco.“Balada de Jack” é um bom exemplo. Letra simples e balada certeira (...tenho tanta historia pra te contar, vou te fazer rir até chorar, então me diga onde te encontrar...). Algumas derrapadas, como na autoral “Désolée Rock”, com anglicismos forçados e colocando na salada Serge Gainsbourg, Camus e Debussy, só se salvando no apelo final (...hoje eu estou trés jolie, chega de deprê...).  Missão espinhosa cantar rockn’roll hoje e parecer original. Não se exige novidades, pede-se classe e surpresas coerentes. E nisso, Mona esbanja classe e acerta na maior parte do trabalho.


Amapá e Ceará tão bem representados por duas artistas talentosas e perseverantes. Mona Gadelha sabe os segredos e manhas de sua estrada e abraça seu estilo com tenacidade. Não é fácil, repito. Tarefa ingrata também para Patrícia Bastos, que se arrisca em sons nem tão costumeiros.


Patrícia em canção de Ozetti e Tatit (“Causou”), diz que pegaram e trouxeram a pantera do Amapá pra cá, pra ela namorar, agora não está fácil separar. Mona, na ótima “Acreditar” (dela e Francisco Casaverde)  acredita  e sonha acordada, não vendo maior mistério nas armadilhas da razão. Panteras ou apaixonadas cegas, duas cantoras prontas, sensíveis e em ótimo momento de superação e arte.

(*) Marcio Paschoal é escritor e autor da biografia de João de Vale