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Passo Torto

Por Daniel Brazil - 13/12/2011

A essa altura, já dá pra considerar MetáMetá como o disco mais aclamado da cena paulistana em 2011. Merecidamente, pois é um belo conjunto de canções depreciosa fatura, gravadas com originalidade e concisão.

Mas Juçara Marçal, Thiago França e Kiko Dinucci não se acomodaram com os elogios. Esparramam-se por vários projetos, tocando e cantando em outros trabalhos, juntando força e talento em outros palcos e formações. Todos tiveram um ano eruptivo, pleno de invenção e beleza.

Kiko Dinucci impressiona pela produtividade. Em novembro, um show no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, marcou o lançamento do CD Passo Torto, que pode ser ouvido e baixado aqui: passotorto.com.br.

Não se trata de um novo grupo, mas também é. Junto com Rodrigo Campos e Rômulo Fróes, todos da linha de frente de um hipotético novo samba paulista, fazem de Passo Torto um ótimo virado musical, com o apoio do baixista e produtor Marcelo Cabral. Quatro cabeças pensantes, de formação distinta, mas com vários pontos em comum.

Eu disse samba? Não fique preso ao rótulo. Há vários não-sambas no disco. Em comum, as melodias enxutas (às vezes minimalistas), a poética desconcertante, sem plumas, e a temática que foge do lugar comum. Música urbana contemporânea. Comentários sobre a paisagem metropolitana e seus habitantes, ora meditativos e ternos, ora desencantados, quase amargos.

Há antecedentes desse tipo de canção? Alguém pode lembrar do grupo Rumo, do canto-fala de Luiz Tatit. Ou dos retratos paulistanos de Vanzolini ou Adoniran. Claro que isto está lá no fundo, são elementos de formação, assim como Bach, Beatles, Tropicália ou Nélson Cavaquinho. Mas o produto é outra coisa, traduz o espírito da época. As gírias, a sintaxe e até a prosódia pertencem ao século XXI, assim como a dureza de certas estrofes. “O amor morreu”, diz uma das cruas (cruéis?) canções de Rodrigo e Rômulo.

A concepção do disco se assemelha à de MetáMetá, de certa maneira. Arranjos acústicos, sem percussão, vozes no mesmo plano dos instrumentos. O baixo é acústico, às vezes tocado com arco, e acompanhado somente por violões e cavaquinho. Falta aqui uma grande intérprete como Juçara, mas é intencional. É disco de compositores, que parecem insinuar em cada faixa: “Preste atenção no que estou dizendo.” E tocando. E propondo.