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Osvaldinho, a memória do samba paulista

Por Daniel Brazil - 28/07/2010

Samba de bumbo. Samba-lenço. Samba de umbigada. Samba rural. Samba paulista. Samba de Pirapora. Poucas pessoas no mundo sabem diferenciar essas formas de samba com a precisão de Osvaldo Barro. Quem? É só traduzir para Osvaldinho da Cuíca, e tudo se explica. Trata-se do percussionista, cantor, compositor e agitador que acabou virando referência da história do samba de São Paulo.

Jeito pro samba ele tem desde a infância, no bairro do Bom Retiro. Nasceu em pleno Carnaval, no ano de 1940, e passou a adolescência freqüentando as batucadas e cordões que surgiam na região. Em pouco tempo era profissional, tocando com diversos grupos e acompanhando artistas de rádio. Em 1959 tocou na trilha sonora do filme Orfeu Negro, junto com Monsueto. Ou seja, aos 20 anos tinha uma Palma de Ouro e um Oscar no currículo.

Osvaldinho acompanhou o surgimento das principais escolas de samba de São Paulo. Participou dos grupos de cultura popular de Solano Trindade e de Barbosa Lessa. Tocou em festivais, rádios, televisão, programas de auditório, quadras e botequins. Acompanhou meio mundo musical brasileiro. Foi integrante dos Demônios da Garoa de 1967 a 1999. Eleito o primeiro “Cidadão Samba de São Paulo”, em 1974. No ano seguinte gravou seu primeiro disco, pela gravadora Marcus Pereira, como intérprete. Fundou a Ala de Compositores da Vai-Vai, mas também é fundador da Gaviões da Fiel e da Acadêmicos do Tucuruvi. Tem passe livre e cadeira cativa em qualquer escola de samba paulistana.

O hoje cultuado musical “O Canto dos Escravos”, de 1984, que reuniu Clementina de Jesus, Geraldo Filme e Tia Doca da Portela, teve direção e apresentação dele. O projeto História do Samba Paulista, que foi encampado pela Funarte em 1985, tem as suas digitais.

Irmão de “fé no samba" de gente como Geraldo Filme, Germano Mathias, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro, Osvaldinho é cada vez mais procurado por jovens, pesquisadores, historiadores e musicólogos. Virou fonte primária de pesquisa. Bom contador de histórias, não se limita a narrar sua vida ou causos de amigos. Estudou a história da cultura paulista, é freqüentador do samba de Pirapora, conhece profundamente a música popular e demonstra com um pandeiro na mão as sutilezas de cada toque, batida ou andamento.

Em 2009 publicou um belo retrato do samba paulista, em parceria com o pesquisador André Domingues. Mestre em História Social pela USP, André soube resumir o vasto conhecimento do sambista em um volume precioso, sem perder de vista a verve e o humor do depoente, afastando qualquer ranço acadêmico. Batuqueiros da Paulicéia (Barcarolla, 2009) é ao mesmo tempo narrativa envolvente e informação preciosa. Osvaldinho reafirma sua posição de testemunha e personagem central da história do samba paulista.

O homem, mesmo brincalhão, não brinca em serviço. Nem um câncer na garganta, que lhe fez passar maus momentos e alterou sua voz depois de uma operação, em 2002, tirou o seu ânimo. Com voz de pato, como ele mesmo diz, continua tocando, cantando, dançando e contando histórias. Se Vinicius se considerava o branco mais preto do Brasil, Osvaldinho certamente é o branco mais preto de São Paulo. Cada vez que ele pega a cuíca, Mário de Andrade sorri lá de cima.