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O rapaz da Pena Verde

Por Daniel Brazil - 15/07/2010

No final dos anos 60, momento exuberante de criatividade musical que antecedeu a pesada instauração da censura através do AI-5, os festivais ainda eram a grande vitrine para aspirantes a músico, intérprete ou compositor.

Da turma de “paulistas” de diversas procedências, um brilhou ao vencer o Festival Universitário de MPB da TV Tupi, em 1969: Abílio Manoel. Ele já vinha aplicando seus dribles no circuito musical, e foi premiado no ano anterior no Festival da Canção Universitária, no Chile, com Minha Rua. Mas seu gol de placa foi mesmo Pena Verde, que o Brasil inteiro cantarolou por muitos anos.

Português de nascimento, Abílio viera ainda garoto para o Brasil. Chegou a estudar Física na USP, mas a música foi sua grande paixão. Gostava de vários gêneros, e chegou a manter um programa de rádio durante muitos anos, chamado América do Sol, dedicado aos ritmos latinos. Esta relação ficou ainda mais forte quando morou um tempo no México, nos anos 70.

Como compositor, a sua praia foi mesmo a da bossa, do samba-rock de pegada leve, com sabor pop. Além de Pena Verde, Abílio emplacou alguns sucessos como Luiza Manequim, Andréia e Tudo Azul na América do Sul.

Embora não seja considerado um compositor engajado, Abílio enfrentou problemas com a censura do governo militar. Uma canção feita para homenagear a Revolução dos Cravos (O Fado e o Cravo de Abril), que derrubou o salazarismo em Portugal, foi impedida de participar do Festival Abertura, da TV Globo, de 1975. Na época, uma canção pré-selecionada tinha de ser submetida aos censores, em Brasília, para poder se apresentada, como relatou ao pesquisador Alexandre Fiúza. Só no ano seguinte, depois de alterar o titulo, conseguiu gravá-la, no disco América Morena (1976).

Outra canção, Cavaleiro Andante, de 1970, descrevia ironicamente os defensores da ditadura:

(...) Ele trazia um brasão no peito
E o lema tradição
Família e seus direitos
Ele falava, falava, falava em vários idiomas
Tinha amor à Pátria
E mais outros sintomas.
Talvez você não saiba
Ou visse como eu vi
Existe um cavaleiro
Prá cada brasileiro
Pro bem do Patropi.

Abílio foi ativo participante da era dos festivais. Afastado das paradas de sucessos, passou a se dedicar à criação de jingles e trilhas, em seu próprio estúdio, no Butantã, em São Paulo. Também dirigiu alguns curtas, e tinha várias canções inéditas na gaveta.

Abílio Manoel morreu no último dia 30 de junho, aos 63 anos. De férias em Itacaré, no sul da Bahia, o coração não resistiu. Com uma obra ainda por ser devidamente avaliada, certamente foi um dos responsáveis pelos contornos de um gênero que frutificou com o tempo: o samba rock melódico, pontuado por metais, com uma batida entre a bossa e o pop. Não à toa, vem sendo redescoberto por essa turma, e provavelmente suas canções ainda animarão muitos bailes desse Brasil que tanto amou.