Artigos

O quintal de Ná Ozzetti

Por Daniel Brazil - 19/04/2011

Os 30 anos de carreira de Ná Ozzetti poderiam gerar um disco de regravações, uma compilação de sucessos ou um DVD com um monte de participações especiais. Mas Ná sabe ser original desde que surgiu, no histórico grupo Rumo, e não iria ser agora que se renderia aos chavões.

Em vez disso, a cantora grava seu trabalho mais autoral (Meu Quintal, Borandá, 2011), com delicadas canções feitas em colaboração com letristas como Makely Ka, Zélia Duncan, Alice Ruiz (três parcerias) e Arthur Nestrowski, além de nomes novos como Carol Ribeiro e Neco Prates. Claro que os companheiros de sempre comparecem: Luiz Tatit, com quatro composições, o mano Dante, os músicos que a acompanham desde o trabalho anterior, Balangandãs.

Ouvir Ná é como ouvir uma menina sábia. A voz tem o mesmo frescor do início de tudo, e transmite a deliciosa sensação de que o tempo não passa para ela. E se não passa para sua voz, também nos sentimos contaminados por sua eterna juventude. É renovador ouvir canções inéditas pela primeira vez. Nesse caso, impregnadas de sabedoria, de quem exerce seu ofício com pleno domínio de todos os recursos.

Ná flana sua elegância musical por diversos ritmos, numa coleção de músicas que podem ter sido criadas num quintal, desde que este quintal tenha vista para o mundo. Dante Ozzetti e Mário Manga, responsáveis pelos arranjos, são instrumentistas requintados, acostumados a polir, lapidar, eliminar qualquer excesso.

Acompanhados pelo baixista Zé Alexandre Carvalho e o baterista Sérgio Reze, o quarteto executa as canções de forma enxuta, sem derramamentos emocionais. Para alguns, isso pode parecer frio. Para outros, é uma forma superior de sensibilidade, onde a beleza do acorde exato é o caminho do nirvana.

Lição de limpidez musical, o CD Meu Quintal reafirma a opção estética de Ná Ozzetti, que personifica o importante movimento musical surgido em São Paulo nos anos 80 em torno do Grupo Rumo. Não espere veias saltadas, explosões emocionais, gotas de suor respingadas sobre a platéia. Aqui se faz outro tipo de música, que faz vibrar as cordas esticadas entre o cérebro e o coração, não entre o coração e a pele.

A música de Ná não se contrapõe ao samba ou ao rock, longe disso. Afinal, já encarnou Carmen Miranda e Rita Lee nos palcos, com evidente alegria. Mas no seu quintal ela cultiva outras possibilidades musicais, pois no mundo da música não há apenas rosas vermelhas ou margaridas amarelas.