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O Fato, mais próximo

Por Daniel Brazil - 30/09/2014

Não é de hoje que a capacidade de reinvenção da canção brasileira surpreende observadores de todas as latitudes. Oceano em eterno movimento, nossa música popular comporta ondas, correntes e marés. Ora é profunda, quase abissal, ora é espuma rarefeita na superfície, mas sempre tomando formas inesperadas. Gosto de imaginar que a praia onde me situo nesse momento é banhada por parte deste mar sonoro, e isso corresponde a uma parte minúscula de toda a riqueza que banha outras praias por aí.

Longe vai o tempo em que o litoral, ou melhor, eixo Rio-São Paulo ditava modas e obrigava músicos de todo país a uma peregrinação lotérica em busca de espaço midiático. O avanço tecnológico permite hoje que se grave uma canção com qualidade no meio da floresta, na capital mais longínqua ou na quebrada mais remota da periferia. E o ouvinte atento encontra grupos, bandas, autores e intérpretes de surpreendente talento, produzindo e mostrando seu trabalho num circuito totalmente independente da Via Dutra. Claro que surgem polos regionais, pois músico é um bicho que tende a se reunir, a agregar, a juntar energias. Mas é uma delícia mergulhar no cais sonoro de Recife, ou de Belém, de Salvador, de Porto Alegre, de Belo Horizonte, de Fortaleza, de Brasília, de Curitiba, e de tantas cidades do interior.

E é de Curitiba que vamos falar aqui. Mais precisamente, do grupo Fato, que completou 20 anos de carreira em agosto. Pausa para pensar. Vinte anos, e você nunca ouviu falar? Então, afine o olho e abra o ouvido, senão a onda te leva. Se levar, não reclame. Onda boa, refrescante, inovadora. Dá pra sair surfando!

O CD Próximo (OQ Discos, 2014) é o sétimo do grupo, que tem como característica uma forte relação com a poesia. Sendo paranaenses, não poderiam escapar da influência de Leminski e daquele pessoal de Londrina que inseriu um novo sotaque na moderna música brasileira. Mas não é só, a praia é mais esparramada. E respinga no Rio, Recife, São Paulo...
A sonoridade do grupo é rica, inventiva. Acústica e elétrica, vai do som de tamancos até sintetizadores. Aliás, não é apenas um grupo. São cinco músicos em bodas de porcelana: A tecladista Grace Torres, Ulisses Galetto (baixo e violão), Priscila Graciano (bateria e percussão), Daniel Fagundes (guitarra, violão e percussão) e o multi-instrumentista Sérgio Monteiro Freire. Todos cantam, e bem!

Próximo tem produção caprichada de Pedro Luís, o homem da Parede. Rico em timbres e sonoridades de todas as praias, o Fato contou com participações especiais de Lenine, Neuza Pinheiro, João Cavalcanti e músicos do primeiro time da cena paranaense. Mais que isso, representa um momento de plena maturidade do grupo. A busca pela originalidade musical e a poética inusitada marca cada faixa. Ora introspectivos, ora enérgicos, inventam canções que surpreendem pela beleza inclassificável. Vale a pena ouvir, muitas vezes. Como diz Pedro Luís, no (belo) encarte: Como não amar o Próximo, este vocábulo-álbum tão cheio de sentidos? Mergulhe nessa praia, sem receio.