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O estranho Diurno de AVA

Por Daniel Brazil - 28/02/2012

Fevereiro, pós-Carnaval. Já passou da hora de fazer um balanço dos lançamentos de 2011 que ainda não foram comentados por aqui. Claro que muita coisa independente não chegou aos nossos ouvidos, aos meus, aos teus. E vamos descobrindo aos poucos, nesse oceano de informações que é a internet.

Aliás, sempre achei curioso que uma gravação de 2006 não possa ser comentada. Ou de 2010, ou de 1972, 1956... Se ouvi ontem, pela primeira vez, não é lógico que comente com os amigos? O tempo é relativo, e mais relativa ainda é a “primeira vez”. Fica o mote, para quem gosta de pensar sobre a música e o tempo.

Um dos discos mais provocantes de 2011 é o Diurno, do grupo AVA. Um quarteto, formado pelo violonista Emiliano Sette, o percussionista Daniel Castanheira, a violoncelista Nana Carneiro da Cunha e a cantora Ava Rocha. AVA é Ava, claro, mas o resultado é a soma de vários talentos e inquietações.

O som parece, num primeiro momento, vanguarda dos anos 70. A terceira faixa, Movimento dos Barcos, entrega a ligação com Jards Macalé, um certo atalho do Tropicalismo, uma certa dicção que passa – evidentemente – pelo cinema de Glauber Rocha, pai de Ava.

Mas ficar apenas nessas referências seria uma redução injusta. AVA mistura diversas matrizes, flerta com samplers, brinca com sonoridades incomuns. Tudo é conduzido pela voz única de Ava, um contralto de timbre muito original, que se diferencia imediatamenteda revoada de cantoras que sobrevoa a música brasileira contemporânea.

A banda estreou em 2008, no lendário cine Odeon, no Rio de Janeiro. A maioria das músicas é autoral, e as letras tem um clima imagético-viajandão com alguns achados poéticos interessantes. Ali pinta um clima latino (Sé Que Estoy Vivo), acolá uma bossa nova (Pra Dizer Adeus). É música para ouvir, não para dançar. O nome do disco contradiz o tom geral, mais soturno.

A capa é assinada por Tunga, e o CD conta com participações especiais, como o contrabaixista Rodrigo Sebastiani e o guitarrista Arto Lindsay. Não é fácil, não é banal. E quanto mais escuto, mais sinto texturas e perfumes que não se encontram em qualquer prateleira de supermercado. Ava é uma bela surpresa.