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O belo canto do cancioneiro nacional

Por Marcio Paschoal (*) - 13/08/2015

A mineira Katya Kazzaz mostra em seu segundo Cd “Cantares” como o lírico pode se encaixar tão bem no cancioneiro brasileiro. Com direção e arranjos de Tomás Improta, a soprano, bacharel e pós-graduada e com especialização operística na londrina Royal Academy of Music, dá-nos uma mostra de bel canto no tão esquecido repertório regional. A começar pela modinha profana do padre José Maurício Garcia “Beijo a mão que me condena”. Katya, em seu primeiro e elogiado trabalho (1998) focalizando a obra do padre Maurício, escolheu acertadamente a canção para abrir o disco, destacando-se nos vocais.

 A seguir, acompanhada por piano e violoncelo (Lui Coimbra), a famosa modinha de Antônio Carlos Gomes: “Quem sabe”. O maestro, fã ardoroso do compositor italiano Vicenzo Bellini, aproveita a melodia deste e a transforma numa modinha deliciosa, com letra de Bittencourt Sampaio (...tão longe, de mim distante, onde irá onde irá teu pensamento...).

“Lua branca”, de Chiquinha Gonzaga, em criativo e simples arranjo com o quarteto: piano (Improta), contrabaixo (Augusto Matoso), flauta (Andrea Ernst Dias) e percussão (Bochecha). Originalmente escrita pela maestrina para a burleta “Forrobodó”, tem como maior curiosidade o anonimato, até hoje, do (ou da) letrista.

Duas obras-primas do pianista e compositor paraense Valdemar Henrique “Uirapuru” e “Tamba Tajá” foram selecionadas. Momentos de excelência do disco. Tamba Tajá, que conta a saga e o sofrimento do índio macuxi, é de um lirismo envolvente. Já gravado por cantoras populares, como Fafá e Andréa Pinheiro, permanece um registro significativo e singelo da arte folclórica amazônica.

De Jayme Ovallle e Manuel Bandeira, “Azulão”, narra a história do pássaro que leva o recado a uma amada ausente, e é, também, um dos pontos altos do trabalho. A soprano está muito bem, na medida e sem excessos. Também dos mesmos compositores, “Modinha’ traz um suave lamento em forma de serenata.

Heitor Villa-Lobos está presente em seu “Samba Clássico”, com belos vocalizes de Katya. Destaque para o clarone e a clarinete a cargo de Fred Cavalieri.

Composta em 1957, quando seus autores, Claudio Santoro e Vinicius de Moraes, residiam em Paris, “Acalanto da Rosa” pertence a um conjunto de peças, bem pouco conhecido.

A canção que nomeia o CD “Cantares”, de autoria de Ronaldo Miranda e Walter Mariani, traz a soprano acompanhada pelo piano de Improta.

Para o fim, as duas mais “modernas” do disco. “Derradeira Primavera”, de Jobim e Vinicius, e “Alguém cantando” (Caetano Veloso). A primeira composta, na década de 60, recebe o acompanhamento do piano e do violoncelo. A segunda, procura inovar com repetições vocais em várias entonações, com destaque para Silvia Braga na harpa.

Com direção musical e arranjos simples e competentes de Tomás Improta, aliada a uma seleção de músicos de qualidade, a soprano, professora de canto radicada no Rio, Katya Kazzaz, acerta no repertório e na escolha dos temas, provando que bom gosto e cultura podem conviver em harmonia com o popular.

(*) escritor, autor da biografia de João do Vale