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O balão do Baleiro

Por Marcio Paschoal (*) - 14/11/2014

Algumas tentativas pedagógicas de introdução à música para crianças em salas de aula constataram a eficácia da nossa boa MPB. As crianças eram contagiadas pelo ritmo e som das letras e algumas eram tiros-certos como “A Banda” e “João e Maria”, de Chico Buarque, “Leãozinho”, de Caetano Veloso, “Aquarela”, de Toquinho, até a veterana “Garota de Ipanema”, de Jobim e Vinícius de Moraes.

Inúmeras canções compostas tendo o público infantil como alvo se tornaram clássicos. Caso do festejado disco “A Arca de Noé” (1980), materialização de um antigo sonho de Vinícius. Junto ao especial televisivo “Vinícius para crianças”, foi sucesso de vendas e inaugurou um nicho no mercado voltado à garotada. O álbum reuniu nomes como Chico, Milton, Elis, Ney Matogrosso, Frenéticas e Fábio Jr, entre tantos. As canções de maior sucesso foram “O Pato” (Vinícius e Toquinho), pelo MPB-4, e “A Casa” (Vinícius de Moraes), com o Boca Livre.
Nessa esteira segui-se o programa infantil da Globo, “Balão Mágico”, que originaria a Turma do Balão (1983). O programa, inicialmente apresentado pela Simony, obteve altos índices de audiência e teve hits como “Amigos do Peito” e “Superfantástico”. Mas nada parecido com a repercussão de “Lindo Balão Azul”, de Guilherme Arantes, curiosamente ainda cantado e do agrado também de muita gente grande.

Em 1986 veio o “Xou da Xuxa”, que ajudou a emplacar mais um fenômeno comercial, na voz (ou o mais parecido que fosse) da apresentadora dos baixinhos.

Enfim, já se sabe da extensão do mercado, das preferências e do lado benéfico e simbólico de trabalhos desse tipo, mormente aqueles feitos com sensibilidade, esmero e talento.

É o caso do novo disco do maranhense de Acari, Zeca Baleiro, em seu cd “Zoró, Bichos esquisitos Vol 1”. Na linha do bem-sucedido e sacado “o barato bom é o da barata” (gravado na época por Erasmo Carlos), Zeca cria um universo de canções com letras inteligentes e bem cuidadas. Mestre na escolha certa das palavras com sonoridade e dos trocadilhos na hora certa, ele nos brinda com algumas faixas interessantes, como na inicial “O Ornitorrinco” (...o ornitorrinco foi ao otorrino/ ao otorrinolaringologista); ou “Minhoca Dorminhoca” (...a minhoca dorminhoca só quer saber de dormir/ dorme, dorme dorminhoca).

O humor vem cercado de melodias variadas, autorais (a maioria) ou em parcerias com Tata Fernandes, Antonio Resende e Claudio Thebas. As participações de Fernanda Abreu, Blubell, Tom Zé, Alzira E, Tetê Espíndola e Walter Franco, enriquecem ainda mais. Destaque para a serpente que queria ser pente para pentear os cabelos das estrelas de cinema, já que cobra não tem cabelos e, claro, o urso bipolar que alterna dias mansos e ferozes, o tubarão ubatubense que toca tuba, e a simpática Joaninha dark que toma banho de piche para se livrar de suas bolinhas. Irresistível também o emblemático pardal que vive no fio elétrico e canta pianinho.

Enfim, tanto quanto a literatura infantil, a música ainda é garantia de um caminho. E os adultos podem, nostálgicos, cantar junto. Afinal quem não gosta, por exemplo, de pegar carona numa cauda de cometa, dar de cara com a via láctea, brincar de esconde-esconde numa nebulosa e ainda voltar para casa num lindo balão azul?


(*) escritor, autor da biografia de João do Vale