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Ney Matogrosso “Atento aos Sinais”

Por Marcio Paschoal - 16/01/2014

Completando 40 anos do meteórico sucesso dos Secos & Molhados, Ney Matogrosso vem com seu novo cd “Atento aos Sinais”. O título é justificado pelo próprio artista: “não adianta ficar parado, tem que se correr atrás do que se quer”. E parece que Ney foi e acertou em alguns bons alvos. Das 14 faixas, 8 são de compositores pouco conhecidos do grande público. A nova geração da cena musical brasileira foi brindada na seleção do repertório.
Louve-se a atitude despojada do cantor que bem poderia manter-se, serena e confortavelmente, no trono de intérprete consagrado. Não é segredo que um grande número de autores famosos ficaria bem feliz e à vontade fazendo parte dessa seleção. Mas Ney, que tem um quarto empilhado de material enviado de todos os cantos do país, preferiu os riscos, antenado à modernidade e à cata do criativo que pode surgir, aproveitando alguns belos achados, como “Pronomes” (Beto Boing e Paulo Passos), do trio Zabomba de São Paulo (...eu você e ele nós dois eles você e eu...eu você e ela e eu, você não quis me ferir,eu não quis te magoar, ninguém vai nos entender, querem se escandalizar). Aqui o arranjo de sopros é destaque. Das Alagoas vem o exótico (com uma estranha menção à música árabe no arranjo) e percussivo “Tupi Fusão” (Vitor Pirralho, Dinho Zampier, Pedro Ivo Euzébio e André Meira), numa narrativa rítmica sobre um Brasil pitoresco ( ...nobres ao convés e os negros no porão, conte de um até dez e prenda a respiração, quem controla o passado tem um futuro na mão, conheça sua história, não durma, irmão). De outro rapper, Criolo, vem a inspirada“Freguês da Meia-Noite”, e no rastro do arranjador e diretor musical do disco, Sacha Ambach, a levada do divertido “Samba do BlackBerry” (Alberto Continentino e Rafael Rocha), em estilo já revisto em alguns trabalhos de Sacha (como os com Zeca Baleiro).
Há também duas de Itamar Assumpção (não podia mesmo faltar): “Isso não vai ficar assim” e “Noite Torta”, esta última melhor (...sozinho nessa cozinha, em pé, tomo um café, na pia, a louça suja me lembra da roupa suja que a vida é); um samba de Paulinho da Viola (“Roendo as Unhas”), fora dos padrões do mestre, na linha de “Sinal Fechado”, que já valeria o cd; uma ótima de Vitor Ramil, em“A Ilusão da Casa” (...eu sei, o tempo é o meu lugar, o tempo é minha casa, a casa onde quero estar); e “Beijos de Ímã”, de Jerry & Alzira Espíndola e Arruda (...você nem imagina tudo o que imaginei para a nossa rotina)
Propositalmente deixo para o final as duas faixas que abrem o disco, o alerta de “Rua da Passagem” (Lenine e Arnaldo Antunes), e a marcante “Incêndio” de Pedro Luís. Acompanhando as letras, logo se nota uma certa contemporaneidade, talvez induzida, talvez oportunista dos tempos recentes da onda de protestos populares. Mas, ao se saber que já faz mais de dois anos de suas feituras, só vêm confirmar uma quase premonição. Senão, vejam em suas letras: (...todo mundo tem direito à vida, todo mundo tem direito igual) na primeira, e (...fogo, fogo, fogo, água, incêndio nas ruas, bomba, bomba, bomba, praça, vielas, ratos, figuras nuas"), na segunda, espelhando bem o que há pouco rolou nas ruas, com ou sem black blocs.
Aos 72 anos, Ney Matogrosso ainda demonstra vigor e modernidade e, claro, mantém o bom gosto e a ousadia costumeiros.


(*) escritor, autor da biografia de João do Vale