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Ná Ozzetti canta Carmen Miranda

Por Daniel Brazil - 23/06/2009

Este ano se comemora o centenário de nascimento da mais famosa cantora brasileira, nos quatro cantos do mundo (quem será que inventou que o mundo tem 4 cantos?): Carmen Miranda. E antes que algum engraçadinho venha dizer que ela é portuguesa de registro, vamos lembrar que foi a maior representante de um tipo de brasilidade, assim como Carlos Gardel é um símbolo da Argentina e não nasceu na terra de Maradona.

As homenagens começaram no dia seguinte à sua morte, e irão se estender por toda a vida. Mas este é um ano especial. E uma das mais respeitadas intérpretes brasileiras, a paulista Ná Ozzetti, que desde o início de carreira tangenciava o universo de Carmen, resolveu abraçar a diva.

Surpresa? Nenhuma. Nos tempos do grupo Rumo (anos 80) a delicada Ná já incluía a esfuziante Carmen no repertório. Ela mesma diz que “foi nessa ocasião que comecei a ouvir com mais freqüência as gravações da Carmen Miranda, que me chamaram a atenção imediatamente, pela forma como ela brincava e valorizava, tanto o conteúdo das canções, como os seus próprios recursos vocais que sempre me surpreenderam e surpreendem até hoje.”

Adeus, Batucada (de Synval Silva, que foi motorista de Carmen Miranda), por exemplo, encerrava os shows de lançamento do seu primeiro trabalho solo (Ná Ozzetti, de 1988), embora não tenha sido gravada no disco. Foi registrada bem depois, assim como Na Batucada da Vida (Ary Barroso/ Luiz Peixoto), no CD Show, de 2001.

Mas o encontro se deu, e era inevitável. Em 2007 Ná Ozzetti começou a montar o espetáculo Balangandãs, e fez diversas apresentações no ano seguinte, com um repertório de 20 músicas selecionadas entre mais de 200.

Os mesmos músicos entraram no estúdio e gravaram o CD Balangandãs (MCD, 2009). Afiados no palco e com liberdade de (re)criação, Mário Manga (guitarra, violoncelo e violão tenor), Dante Ozzetti (violão), Zé Alexandre Carvalho (contrabaixo) e Sérgio Reze (bateria e percussão) montaram o sonoro cenário onde a voz de Na desfila sua elegância. Em vários momentos fazem vocal de apoio, como se fossem um Bando da Lua redivivo.

Os fãs ortodoxos de Carmen não vão gostar de algumas liberdades. Os tecno-modernosos podem desgostar de certo tom respeitoso. Mas Ná sempre dá impressão de que sabe o que faz, sem ligar para grupos de opinião.

O Cd apresenta uma escolha muito pessoal, sem parecer “cover” nem mirar nas paradas de sucesso. Não tem Tahí (Pra Você Gostar de Mim), talvez o maior sucesso de Carmen. Boneca de Pixe, sempre aplaudida nos shows, também ficou de fora. Mas entre as 15 do CD reencontramos Dorival Caymmi (A Preta do Acarajé), Braguinha (Touradas em Madri), Assis Valente (Camisa Listada e Recenseamento), Ary Barroso (Na Batucada da Vida), Alcyr Pires Vermelho e Walfrido Silva (O Tic-tac do Meu Coração), Luiz Peixoto e Vicente Paiva (Disseram Que Eu Voltei Americanizada) e Zequinha de Abreu (Tico-tico no Fubá), entre outros.

Para quem não conhece as versões originais, é uma descoberta. Pra quem estava cansado de ouvir as velhas canções de Carmen, o frescor destas gravações pode ser revigorante. Ná Ozzetti apresenta, em sua segunda homenagem a uma musa inspiradora (a primeira foi Love Lee Rita, de 1996), um retrato coeso de si mesma, no final das contas. Um pé na modernidade, outro na tradição, e um equilíbrio de bailarina, ciente do salto que executa.

Mesmo sem atingir as alturas sublimes de sua parceria com André Mehmari (Piano e Voz, de 2005), Ná Ozzetti/ Balangandãs é um interessante contraponto, neste ano de homenagens, às inúmeras versões com bananas nas cabeça e plataformas de 15 centímetros que certamente virão por aí.