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Músico brasileiro de padrão internacional

Por Luís Pimentel - 14/11/2008

Estou ouvindo o trabalho de um guitarrista razoavelmente conhecido, gravado com muito sacrifício de tempo e dinheiro. Competente, bom músico, mas enveredou por um caminho que é a perdição de inúmeros músicos no Brasil: fazer um som "internacional", parecido com milhares de outros, num país onde qualquer FM vagabunda prefere comprar este som importado, baratíssimo, e às pencas.

Conheço algumas dezenas de bons músicos como o Zé (vamos chamá-lo assim), tocando em barzinhos aqui em Sampa ou em outra grande cidade. Tocam também em churrascarias, em casamentos, em praças de alimentação de shopping centers, mas sonham com um reconhecimento imaginário. Tudo que fazem é um som estandardizado, padrão "classe A" (ou o que eles julgam ser), geralmente sem um pingo de originalidade. Pensam em tocar na Europa, nos EUA, pois “lá a qualidade do meu som será reconhecida”. Mal sabem que qualquer college tem centenas de estudantes tocando as mesmas coisas, geralmente melhor, e que menos de 0,0001% terão algum brilho próprio, depois de anos de escola.

O problema é cultural, e o Zé não percebe isso. Nasceu no Brasil, ouviu todo o riquíssimo arsenal rítmico e musical de nosso país, mas na hora em que foi estudar música, comprou um método americano e copiou riffs e solos de Wes Montgomery ou George Benson. Acabou soando como um sub-produto da música mainstream americana, um dos muitos que há espalhados pelo mundo (acontece também na Ásia, Europa, Oceania, etc.)

O pior é que o Zé não percebe o que faz de errado, acha que é um injustiçado, que boicotam o trabalho dele. Conhece todas as inversões de escala, todos os modos e pentatônicas, sabe distinguir um mixolídio de um frígio, um si bemol de um tilenol. “O cara manja!”, dizem os amigos. Confesso que vou guardar o CD que me presenteou por causa da dedicatória, mas só serve pra fazer fundo de conversa, em noite de coquetel. "Instrumental chique", sem sal até o limite do insípido.

Os Zés mais bem sucedidos tocam em estúdios profissionais, fazem jingles, dão aulas. E só. Nunca vão tocar no rádio, vender milhares de discos ou fazer shows-solo patrocinados. Quando se metem a compor, não querem sujar as mãos no samba, no choro, na viola caipira, nos batuques, nos baiões e cirandas, porque isto não está nos manuais de escola americana onde estudaram. Até conhecem, mas “estão em outro nível”. Quando tocam um hit de Jobim, é dentro do padrão internacional, ou seja, americano.

Zé não percebe que uma noite de porre de Vinicius e Baden Powell rendeu mais para a cultura musical do Brasil (e do mundo!) que as milhares de horas que gastou decorando as escalas do Joe Pass. É uma pena. Quantos talentos nascido aqui, como ele, desperdiçados por falta de uma direção musical menos colonizada nos anos de formação!