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Música popular nas telas

Por Daniel Brazil - 18/09/2009

O cinema brasileiro, desde que ingressou na era sonora, sempre manteve um caso de amor com a música popular. O primeiro gênero com características tipicamente brasileiras a conquistar as multidões foi a chanchada, que a partir da década de 30 impulsionou a fama de artistas como Aurora e Carmen Miranda, Francisco Alves, Emilinha Borba, Marlene, Alvarenga e Ranchinho, Benê Nunes, Dalva de Oliveira, Dircinha e Linda Batista, Luiz Gonzaga, Nora Ney, Jorge Goulart, Herivelto Martins, Luiz Gonzaga, Joel e Gaúcho, Elizeth Cardoso e Orlando Silva, entre outros.

Comédias musicais, os filmes eram verdadeiros lançadores de sucessos carnavalescos durante todo o ano. Além dos cantores, muitos comediantes arriscavam cantar e também faziam sucesso, como Grande Otelo e Oscarito.

A farra durou até os anos 50. O surgimento da televisão, o desgaste das fórmulas e a ascensão de novos gêneros musicais, como a bossa nova, a canção de protesto, a tropicália e a Jovem Guarda, acabaram por enterrar de vez as chanchadas, e com elas as marchinhas de carnaval.

No final dos anos 50, Vinicius, Bonfá e Jobim harmonizaram o morro com as canções de Orfeu do Carnaval (1958). Na década de 60, foi a Jovem Guarda o gênero que mais se envolveu com o cinema, graças ao carisma de Roberto Carlos e sua turma. O Cinema Novo defendia valores nacionalistas, e colocou samba e ritmos nordestinos em suas trilhas, mas não foi de fazer musicais. Cacá Diegues até tentou com Quando o Carnaval Chegar (1973), contando com a ajuda de Chico Buarque, Maria Bethania e Nara Leão.

Há experiências isoladas de outros gêneros, algumas até bem sucedidas de bilheteria, mas sem continuidade. Desde os filmes com Antonio Celestino (O Ébrio, de 1946), passando pelo gaúcho Teixeirinha e seu Coração de Luto, de 1967 (também conhecido como Churrasquinho de Mãe), até alguns blockbusters sertanejos, como o Menino da Porteira estrelado por Sérgio Reis em 1977 ou Estrada da Vida, de 1979, contando a vida de Milionário e José Rico. Aliás, 1977 foi o ano de lançamento do aclamado documentário de Jom Tob Azulay sobre os Doces Bárbaros.

A extinção da Embrafilme, durante o desastroso governo Collor, fez com que os anos 90 ficassem muito difíceis para o cinema tupiniquim. No final dos anos 90 acontece a Retomada, um movimento que abriu o leque estético, democratizou as produções e revelou um time de novos realizadores que oxigenaram o meio cinematográfico.

De 2000 para cá, uma série de documentários sobre música brasileira ganhou espaço, prestígio e aplausos do seleto público. Hoje podemos passar na locadora e pegar um lote de filmes que dá pra ficar uma semana assistindo, sem repetir.

O samba é protagonista da maioria dos títulos, claro. Desde Samba Riachão (Jorge Alfredo, 2001), em torno do folclórico artista baiano, até O Mistério do Samba (Lula Buarque de Holanda/ Carolina Jabor, 2008), que homenageia a Velha Guarda da Portela, personagens ilustres foram devidamente biografados. Cartola, Música para os Olhos (Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, 2007) e seu ilustre herdeiro, Paulinho da Viola – Meu Tempo É Hoje (Izabel Jaguaribe, 2003), não poderiam faltar!

Mas a inquietação estética do novo cinema não deixa de lado a diversidade musical brasileira. Sem esquecer os clássicos, como Vinicius (Miguel Faria, 2005) ou as Cantoras do Rádio (Gil Baroni, 2008), investiga os tropicalistas em Fabricando Tom Zé (Décio Matos Jr, 2007), e Coração Vagabundo (2009), sobre Caetano Veloso (Fernando Grostein Andrade, 2009). Homenageia Maria Bethânia, em Pedrinha de Aruanda (Andrucha Waddington, 2007). Visita o rock com Lóki, sobre o mutante Arnaldo Batista (Paulo Henrique Fontenelle, 2008), A Vida Até Parece Uma Festa, sobre os Titãs (Branco Mello, 2008) ou Herbert de Perto, sobre o líder dos Paralamas (Roberto Berliner/ Pedro Bronz, 2009).

Figuras polêmicas não ficaram de fora, como Simonal (Ninguém Sabe o Duro Que Dei, 2009), que teve um bom público nas salas de cinema. Ou ícones como Paulo Vanzolini (Um Homem de Moral, de Ricardo Dias, 2009). Filmes foram feitos sobre o mistério da criação poética na canção, como Palavra (en)Cantada, de Helena Solberg (2008), que inclusive já havia fuçado a vida de Carmen Miranda na década anterior. E até sobre um instrumento, como a sanfona e seu universo (O Milagre de Santa Luzia, 2009, de Sérgio Rozenblit).

Também a música erudita recebeu atenção, como no belo documentário de João Moreira Salles sobre o pianista Nelson Freire, de 2003. Garotos pobres que tentam ampliar seus horizontes fazendo música foram motivo de documentários como Contratempo (Mini Kerti/ Malu Mader, 2008) e encenação de fatos reais, como Orquestra de Meninos, de Paulo Thiago (2008).

Acabou o show? Mais um, mais um! Tem muito mais música pra ouvir, se consideramos os filmes que recriam com atores os personagens de nossa música. A lista vai de Villa-Lobos (Zelito Vianna, 2000) e Nélson Gonçalves (Elizeu Ewald, 2001) até Cazuza (Sandra Werneck e Walter Carvalho, 2004) e Noel Rosa, o Poeta da Vila (Ricardo Van Steen, 2006), passando por Zezé de Camargo e Luciano, os dois filhos de Francisco. (Breno Silveira, 2005). Sem falar dos curtas e médias-metragem feitos para a TV.

E vem aí filmes sobre Raul Seixas, Dalva de Oliveira, Maysa, Assis Valente, Samba da Vela, Agostinho dos Santos... A safra é tão grande que devo ter esquecido alguns. Dá pra se divertir, não é mesmo?