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A música e os anos de chumbo

Por Felipe Silvany - 18/03/2009

Pois é, o Jango caiu! Não agüentou a pressão dos milicos; as tropas de Minas Gerais se rebelaram e tomaram á força o governo do Estado, tudo estava do avesso, o direito agora era não ter direitos, unilateralidade das forças, repressão, perseguição. Assim foram descritos aqueles meses de 64. Após a Revolução Cubana liderada por Fidel e Che Guevara, o crescimento do socialismo na Rússia e China, o Brasil se deparava com outra modificação nas suas bases institucionais e legais; nada de Cuba ou Rússia, o Brasil sempre foi modelo mal feito dos Estados Unidos graças a Deus! Nunca gostamos de guerra nem do materialismo excessivo, o brasileiro sempre foi um povo receptivo, fraterno, humano, sobretudo humano. O Brasil já recebeu em sua bandeira a seguinte expressão “Estados Unidos do Brasil”, mais do que nunca os americanos estavam ao nosso lado, dessa vez fazendo cada brasileiro sentir o peso da sua moeda de fama mundial. O dólar que encheu os olhos dos milicos patrocinou toda essa onda que reprimiu, prendeu, matou. Nada podíamos fazer, nossos paladinos da contra-repressão sucumbiram, é, eles mesmos, o que os alienados chamaram de comunas subversivos, Carlos Lamarca, Marighela e tantos outros anônimos morreram por um ideal de Estado, mais igualitário e comum. Esquecendo qualquer corrente político-econômica, independente de Comunismo ou Capitalismo, aqueles que lutaram a partir de 64 pretenderam mudar, transigir, confrontar com aquele novo modelo simplesmente imposto, sem nenhuma discussão popular; modelo nocivo, vil, exauriente de qualquer tipo de liberdade. Liberdade, liberdae, o que é ter liberdade? È ter livre-arbítrio, mas na época tínhamos arbitrarismo.

Enquanto parte da sociedade, na sua minoria, era a favor dos corretos militares que poriam fim a essa corrupção e imoralismo na política, escutavam a Bossa Nova, que contava a história dos amores do Leblon ou das belezas do Corcovado, Caetano entoava aquela que seria a marcha de todos, o cântico dos oprimidos, dos agredidos em praça publica; todos “caminhando contra o vento no sol de quase dezembro...”. Não podemos esquecer do hino de Vandré que no maior ato de coragem emanado da classe cultural, fez o Maracananzinho ouvir, “Pra dizer que não falei das flores” mais conhecida como “Caminhando e cantando”.

O rock inglês dos Rolling Stones embalava as boates para a alegria das filhas dos grandes empresários, financiadores do regime, confrontava com Vandré, “quem sabe faz a hora não espera acontecer...” marco da inversão da luta anti-ditadura; dos protestos pacíficos produzidos pelos grupos intelectualizados à investidura sobre armas, aos assaltos e seqüestros de embaixadores, ali perto de 69, logo após o governo tirânico simplesmente declarar com o AI-5 de 68, “todos tem direito a não ter direitos” garantias fundamentais ceifadas, não havia como viver em paz, Caetano então lançou “È proibido proibir...”

Copacabana do azul refletido pelo mar tornou-se cinza e vermelho, de todo sangue derramado pelos estudantes, como os acadêmicos de Direito. Como podiam aqueles estudantes sentar numa biblioteca publica com tranqüilidade e ler sobre os Direitos Fundamentais do Homem, todos direitos básicos escritos em 48, fechar o livro e se deparar com suas casas sendo invadidas, livros sendo confiscados por gente despreparada, burra, que somente cumpria ordens; “A capital” de Eça de Queiroz nunca foi “O Capital” de Marx. O cubismo é uma representação da arte, uma manifestação cultural, não é a narrativa sobre a história de Cuba, que o diga Ferreira Gullar. Ouvia-se “A banda” de Chico Buarque interpretada por Nara Leão, clássico da época, ouvia-se “O arrastão” de Elis Regina, toda a tensão e a complexidade daqueles tempos podiam ser representada naquela música, as batidas fortes, o grito vindo da alma da garota Elis.

Os Beatles faziam sucesso, as mocinhas ficavam loucas com as franjinhas ressaltadas e os rostos de menino dos Besouros de Liverpool. Já outras eram torturadas em prisões, toda a dignidade, a ternura e a pureza da mulher subjugada à força da repressão; nada mais importava, a ordem defensora do 8 de março estava revirada.

Gil cantou a sua roda, cantou ao povo, pediu atenção. Atenção! Mataram o Edson Luís, 18 anos, tiro no peito; “posso falar, eu sei”, ele era só um estudante. Em 68 surgia uma nova cantora baiana, era Gal, com Baby. Em 69 o homem chegou a lua, os EUA primeiro, Stanley Kubrick então lança a sua Odisséia no Espaço. Em 70 Pelé fez mágica no México, éramos tri. E assim foram 20 anos...

Fica na lembrança a imagem de todos os que ao menos sonharam, até utopicamente, criar um Brasil novo e melhor, uma nação mais nação, com rico e pobre, mas com dignidade, oportunidade, somos todos seres humanos.

Dedico esse texto a todos os estudantes que ao lutar por liberdade nas ruas, pensaram no próximo antes de pensar em si mesmo, na lei do amor acima de tudo.

Salvador, 12/03/2009