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A moderna tradição de Miriam Maria

Por Daniel Brazil - 13/08/2016

Na década de 90, o genial Itamar Assumpção resolveu montar uma banda só de mulheres, Orquídeas do Brasil. Gravou 3 LPs (depois transformados em 2 CDs) , com momentos antológicos. Nos shows, alternava vocais com algumas integrantes. Entre ela, Miriam Maria.
O resultado foi tão bom que Itamar repetiu a dose no disco seguinte, dedicado a Ataulfo Alves. Miriam Maria dividiu a faixa Errei, Sim fazendo a plateia se deliciar com sua dramática interpretação, em contraponto com o irônico Itamar. (Confira aqui: https://www.youtube.com/watch?v=GzCPW4vpfhI)v)


Depois de cantar com gente como Arrigo Barnabé, Zeca Baleiro e Mestre Ambrósio, Miriam lançou seu primeiro trabalho solo em 2001, Rosa Fervida em Mel, com boa recepção da crítica. Continuou apresentando-se nos palcos paulistas, e ampliou o leque de participações em shows de Naná Vasconcelos, Jards Macalé, Chico César, Marilia Pera e mais uma vasta lista.


Em 2008 lançou um trabalho com letras inéditas de Itamar Assumpção, musicadas por Sérgio Molina. E em 2016 retomou a trilha de Rosa Fervida em Mel, com faixas que mesclam ritmos brasileiros com experimentações percussivas e timbres de delicada extração.
Rama (Por do Som, 2016) é um belo conjunto de canções contemporâneas, entranhadas por ressonâncias ancestrais. As composições de Chico César, Tata Fernandes, Zeca Baleiro, Mauricio Pereira, Skowa, Arnaldo Antunes, Paulo Leminski e (claro) Itamar Assumpção, formam um conjunto coeso, unificado pela voz macia e expressiva de Miriam Maria.


Há vestígios de maracatus, de toadas de boi, de samba-choro, de pontos de terreiro, mesclados de forma competente com guitarras, teclados e percussão eletrônica. A cantora soube se cercar de grandes músicos, que se alternam a cada canção. Chico César, além de compor três faixas, toca e divide os vocais da faixa de abertura (Bauhaus), que conta também com Tião Carvalho. Danilo Moraes toca violão de 6 e violão-tenor em vários momentos. E tem Kleber Albuquerque, autor da bela Espera, os acordeons de Marcelo Jeneci e Gabriel Levy, a guitarra distorcida de André Abujamra, as cordas de Tuco Marcondes, os teclados de Sacha Amback, o baixo de Mintcho Garramone e a percussão de Simone Sou, também produtora do disco, entre outros.
Gravado aos poucos, entre os anos de 2003 e 2012, é espantoso como Rama tem coerência e unidade. Mais um dos méritos de Miriam Maria, que costura cada canção com paciência e carinho, unificando a tapeçaria sonora com sua interpretação segura e límpida.

Um dos grandes lançamentos do ano, que confirma a maturidade musical desta cantora que merece ser mais conhecida em todo o Brasil.