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"Meus retalhos" é música caipira de qualidade

Por Marcio Paschoal (*) - 23/03/2017

À parte qualquer preconceito, sempre achei a onda sertaneja meio chata. Para mim “Chega de saudade” bate melhor que “Não aprendi a dizer adeus”. Quando ouvia Roberta Miranda cantando toda a majestade de um sabiá, simpatizava, mas não me comovia. Xitãozinhos, chororós, zezés di camargos e leonardos nunca me disseram muita coisa, ainda assim havia uma novidade, um jeitão genuíno e caipira de ser e cantar.

Como era de se esperar, as duplas se multiplicaram e tornaram-se quase insuportáveis, onipresentes nas rádios e tevês, adquirindo status de preferência nacional e atingindo faturamentos invejáveis. Até no sisudo Teatro Municipal elas já foram aceitas (vide o musical “Bem sertanejo”, com Michel Teló).

Na contramão desse paradigma mercadológico e pragmático, o grupo curitibano, Viola Quebrada, (nome escolhido em homenagem a Mario de Andrade) se destaca no inevitável cenário da mesmice. Formado por Oswaldo Rios (voz), Rogério Gulin (viola e viola caipira), Rubens Pires (sanfona), Sandro Guaraná (baixo) e Marco Saldanha (percussão), a turma vem pesquisando e divulgando o cancioneiro sertanejo. Os músicos, de formações distintas, identificam-se no caráter experimental e já chamaram a atenção de nomes ecléticos como Pena Branca, Zeca Baleiro, Alaíde Costa e Roberto Corrêa.

O CD “Meus Retalhos” tem treze faixas e alguns bons momentos, como a canção que nomeia o disco, na voz de Marinez Amatti, em parceria de Oswaldo, Gulin e Etel Frota. Ainda desse trio, com a participação especial de Katya Teixeira, a ótima “Flor de Algodão”. Consuelo de Paula também participa como parceira e intérprete em “Margarida”.

Outra joia é “Zóio Seco” (Paulo Freire e Oswaldo Rios), singela e tocante. De Chico Lobo, “A viola é que me toca”, tem gravação interessante mesclando sertanejo e guarânia matogrossense. Em “Linda Flor do Paraná” (Sergio Penna, Oswaldo Rios e João Evangelista Rodrigues) o som do violeiro caipira Daniel Vicenti.
Enfim, um trabalho para contrariar os que ainda olham torto para a música sertaneja, sem sabê-la tão rica e personalíssima quando vista sob esse prisma. O termo raiz, tão batido, não é a sua melhor definição, prefiro música caipira de qualidade. E a turma da Viola Quebrada tem isso de sobra.

(*) autor das biografias de João do Vale e Rogéria