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Metá Metá: a metade de três

Por Daniel Brazil - 07/06/2011

Recentemente indicamos aqui o ótimo CD de Germano Augusto, Ori. Seu parceiro mais constante, Kiko Dinucci, lança agora Metá Metá, um feliz encontro com a cantora Juçara Marçal e o saxofonista Thiago França. Um dos grandes discos do ano, até agora.

É interessante a releitura que essa turma faz da matriz africana de nossa música, com a utilização de sonoridades musicais e linguísticas de sotaque iorubá. Dinucci não gosta da comparação com os “afro sambas”, mas o referencial é inevitável. O movimento de retomada feito por Vinicius e Baden nos anos 60 teve um impacto estético revigorante, num momento em que o samba se embranquecia, se europeizava, amansado pelos acordes dissonantes da bossa nova e dos arranjos orquestrais cheios de violinos e teclados.

Dinucci, Thiago França e Juçara Marçal colocam o samba no cardápio como prato principal em 2011, mas sabem temperar com sabor de novidade. A canção épica que abre o CD, Vale do Jucá, é nada menos que maravilhosa. Difícil acreditar, ao final da audição, que aquela epopéia foi transmitida apenas com violão, sax e voz. Não espere ouvir atabaques e agogôs, pois a história aqui é outra.

Eles vêm de outros trabalhos, de diferentes sotaques. Kiko é um dos mais ativos compositores e instrumentistas da cena paulista. Nos últimos anos o homem parece estar em todo lugar, tocando com todo mundo. Thiago, além de lançar ótimo CD instrumental em 2010 (Na Gafieira, Tratore), é um animador de canjas e rodas de samba e choro, onde insere arranjos e solos que o tornam um legítimo discípulo de Moacir Santos (E quem disse isso foi Nei Lopes, que não costuma falar besteira!). A cantora Juçara vem do excelente grupo A Barca, a prova viva de que pesquisa folclórica não precisa soar como primitiva quando feita com inteligência.

Os três (ou melhor, os quatro, já que Douglas Germano tem canções gravadas no CD) passeiam com tranquilidade e domínio formal pelas praias da música instrumental, do choro, do jazz, da canção pop de sotaque paulista. Não é por acaso que Juçara faz uma linda interpretação do poema cantado Trovoa, de Maurício Pereira. Mas quando criam melodias com nomes africanos, e não em inglês ou espanhol, estão dando um recado claro sobre a fonte maior de sua inspiração.

Talvez tenham certo receio de serem classificados como músicos de um único estilo, daí a recusa ao rótulo “afrosamba”, simplificador e incompleto. Felizmente a riqueza sonora de seus discos transborda os limites classificatórios, incorporando várias correntes musicais e poéticas. Crônica urbana, poesia do asfalto, cantos de terreiro e baladas contemporâneas se mesclam com inteligência e bom gosto.

Metá Metá é um momento exuberante da moderna música brasileira, e deve ser ouvido/ reproduzido/ multiplicado/ copiado com toda a atenção. Metá soa como “metade”, mas a satisfação é inteira. Experimente!: http://www.kikodinucci.com.br/