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Mar de gente

Por Daniel Brazil - 05/06/2020

O novo CD de Gabi Buarque é de uma beleza desconcertante. Escapando de todas as armadilhas do mercado, das facilidades embaladas para consumo imediato, Gabi confirma seu talento para a canção bem trabalhada, para a poesia arejada e banhada de amor pela cultura brasileira.
Cantora de belo timbre, alcança a plenitude interpretativa explorando com sabedoria as nuances sugeridas pelos versos. Pode soar melancólica, provocativa, amorosa, tensa, raivosa, irônica ou reflexiva, fazendo com que cada faixa seja diferente da anterior.
Gabi mostra maturidade também como compositora. Autora ou co-autora de todas as faixas, explora ritmos, sonoridades e andamentos com sabedoria e
clareza. Soa simples como água, mas é uma simplicidade construída com
minúcias de tapeçaria.
Mar de Gente abre com o Samba Rezadeiro, parceria com Roberto Didio. “Raiou a cantoria...”, anuncia, prestando homenagem ao gênero maior da cidade em nasceu e vive. Esta influência reaparece em outras faixas, como Penha, ou o samba-de-protesto Mar de Gente, que dá nome ao disco e encerra com um coro de vozes convidadas.
Feita as devidas reverências ao gênero maior, Gabi esparrama seu talento em toadas, cantigas de amor, canções de acento intimista, bolero (Concha, cantado com Áurea Martins), folk com sabor de fox (É), xote com levada de fole (Luzia luzia), samba-de-roda com toque de viola (Morena do Mar).
As parcerias se alternam, renovando as poéticas. Marina Sereno, Silvia Duffrayer, Angélica Duarte, e até um forte poema de Maria Rezende, apenas declamado. A parceira mais constante é Socorro Lira, com quem divide
quatro belos momentos.
Neste conturbado e triste ano de 2020, é bom saber que coisas bonitas continuam sendo produzidas e nos fazem acreditar que a vida pode ser melhor. Mar de Gente é, desde já, um dos melhores discos do ano. Obrigado, Gabi Buarque!