Artigos

Macalé e o Banquete dos Mendigos

Por Daniel Brazil - 10/12/2013

10 de dezembro de 1973. Há 40 anos, um show organizado por Jards Macalé no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro entrou para a história. Primeiro, por ter como pretexto a comemoração dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Vivíamos em plena ditadura, sob o obscurantismo do AI-5. Segundo, porque Macalé conseguiu reunir um elenco estelar, que se apresentou sem cobrar cachê: Paulinho da Viola, Chico Buarque, Luiz Melodia, Edu Lobo, Gal Costa, Milton Nascimento, Jorge Mautner, MPB-4, Dominguinhos, Raul Seixas, Johnny Alf, Gonzaguinha, Edson Machado, Danilo Caymmi, Toninho Horta, Pedro dos Santos e, claro, o próprio Macalé.
O público lotou as dependências do museu. A renda seria destinada à ONU, assim como 50% dos direitos de gravação. O espetáculo basicamente consistia em apresentações musicais intercaladas pela leitura dos artigos da Declaração. Algumas canções escolhidas acabaram reforçando o caráter político do evento. Paulinho cantou o seu tenso samba Roendo as Unhas. O MPB-4 entoou a marcante Pesadelo, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro (Você corta um verso, eu escrevo outro”). Chico Buarque foi de Bom Conselho, Quando o Carnaval Chegar e Jorge Maravilha (“Você não gosta de mim, mas sua filha gosta...”). Gonzaguinha, só ao violão, entoou Palavras (“Com tempo ruim, todo mundo também dá bom dia.”). Os outros artistas pegaram mais leve, e o show foi encerrado com Gal Costa entoando a Oração de Mãe Menininha de Dorival Caymmi.
Não deu outra. O álbum duplo “O Banquete dos Mendigos” foi imediatamente censurado. A imprensa amordaçada não pode noticiar o fato. Apenas em 1979 o disco foi liberado, e Macalé fez um show de lançamento na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Só que a conjuntura era outra: nenhum dos participantes do primeiro show foi ao segundo. O que mudou?
Macalé havia entrado numa fase meio delirante, e se achava um sucessor estético de Glauber Rocha. Passou a escrever textos com uma ortografia pouco ortodoxa, que assinava como Makalé. O que causou mais estranheza foi ter levado uma cópia do disco ao ministro-general Golbery do Couto e Silva, em Brasília, e ter elogiado o governo militar em uma célebre entrevista. Alguns amigos se afastaram, outros abertamente desceram a lenha no artista. A turma do Pasquim tripudiou. “Adesista” era o adjetivo mais suave que utilizavam para falar dele.
Mas os 40 anos que lembramos aqui não são desse momento conturbado, e sim do primeiro e histórico show, o de 1973. Hoje o antológico disco pode ser baixado da rede, em vários endereços. Vale a pena ouvir e reouvir, como se estivesse vendo o filme de uma época em que as causas eram abraçadas com entusiasmo e havia um inimigo em comum, uma ditadura a ser combatida. E, convenhamos, o timaço que entrou em campo até hoje encanta os ouvidos de qualquer apreciador de música brasileira!