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Luiz Tatit, cancionista

Por Daniel Brazil - 22/11/2007

A contribuição de Luiz Tatit para a compreensão de certas chaves da música brasileira é incontestável. Pesquisador rigoroso, dedicou-se ao estudo da canção popular, esmiuçando procedimentos e formulações à luz da semiótica. Obras como “O Cancionista: Composição de Canções no Brasil”, entre outras, ampliam o prazer proporcionado pela simples audição dos mestres, revelando alguns segredos ocultos do ofício.

E Tatit também constrói canções, desde os tempos do grupo Rumo, um dos marcos da chamada canção independente paulista dos anos 80. Depois de trabalhos bem-sucedidos, com importantes pesquisas no campo da música infantil (Quero Passear) e da história da música popular (Rumo aos Antigos), o grupo se desfez, com os participantes seguindo carreiras paralelas.

Tatit aprofundou suas pesquisas e publicou vários artigos e ensaios, conquistando o respeito acadêmico. Hoje é professor titular da USP, na área de Letras. Continuou compondo, estabelecendo várias parcerias bem sucedidas. No último Festival da Globo, em 2000, emplacou “Show”, com o violista Fábio Tagliaferri, que consagrou Ná Ozzetti com o prêmio de melhor intérprete. O parceiro mais constante, Dante Ozzetti, levou o prêmio Visa de composição, no mesmo ano. No Festival Cultura, de 2005 a dupla levou o segundo lugar com “Achou”, em primorosa interpretação de Ceumar. Aliás, era a canção favorita do público, num dos momentos de maior empatia do compositor, sempre refratário a refrões fáceis e laralaiás.

Tatit lança em 2007 seu primeiro CD ao vivo, depois de Felicidade (1997), O Meio (2000) e Ouvidos Uni-vos (2005). Clonado do DVD Rodopio (Dabliú Discos), o disco-show faz uma espécie de balanço de carreira. Coerente, Tatit, chamou as já íntimas Ná Ozzetti, Ceumar e Suzana Sales para reforçar sua voz, de pequena extensão. Acompanhando-se ao violão, desfia canções de vários períodos, deixando de lado alguns sucessos previsíveis como Felicidade ou Estopim.

É evidente o capricho artesanal do compositor. Defensor de um estilo que foi chamado de “canto falado”, nos tempos do Rumo, elabora delicadas harmonias para sustentar letras de precisão molecular. Nada a ver com o rap ou as canções de Schoenberg, claro. O mais correto seria chamar o estilo de “canto não gritado”, pois a melodia está sempre presente, mesmo que minimalista em alguns momentos.

Canções metalingüísticas, como As Sílabas ou Atração Fatal, brincam com os significados entrelaçados de palavras e sons. A encantadora paródia de Baião de Quatro Toques, parceria com o também professor e compositor Zé Miguel Wisnick, coloca as célebres pancadas beethovenianas do destino no coração da música brasileira. Em Baião do Tomás, Tatit se transforma num inspirado e original cronista, ao relatar o nascimento do filho do parceiro Chico Saraiva.

Aos poucos, a audição revela também um melodista sofisticado, capaz de colocar doses de delicada emoção sem cair no lugar comum. A linda Capitu envolve a platéia, embora haja uma inversão de peso nas vozes de Tatit e Ná, prejudicando o resultado. A versão solo da cantora, do disco Estopim, continua imbatível.

O que falta à música de Luiz Tatit? Talvez um pouco de imperfeição, de suor escorrendo no rosto, de entrega de palco. É música de câmara popular brasileira, mesmo nos momentos mais empolgantes. Refinada, apolínea, cheia de sutilezas e minúcias, é impossível imaginá-la cantada por multidões de braços erguidos.

É óbvio que Tatit não mira este objetivo. Se nem o bom e velho samba hoje levanta poeira comparável aos dos fãs de Ivete Sangalo, pagodeiros e sertanejos, é natural que nossos melhores cancionistas se encaixem em outros nichos. Resta a nós, amantes de canções que conseguem conjugar invenção e beleza, peregrinar até estes nichos e provar do biscoito fino que o mercado esconde cada vez mais alto nas prateleiras.