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Futuro e memória – uma arquitetura musical

Por Daniel Brazil - 21/07/2018

O edifício São Pedro, inaugurado em 1951 na Praia de Iracema, em Fortaleza, foi o primeiro da orla. Seu perfil elegante e original marcou a memória de muita gente. Hoje é uma ruína, e suas lembranças assombram poetas, músicos, artistas plásticos e mendigos.
Partiu da dupla Rogério Franco e Dalwton Moura a ideia de construir um disco-show-homenagem ao marco arquitetônico. O projeto ambicioso conta com as fotos de Luiz Alves, encartadas em uma caprichada caixa-poster, projeto gráfico de Caio Castelo, e uma plêiade de músicos cearenses de várias gerações.
Dez composições são de Rogério e Dalwton. Uma conta com a ajuda de Paulo César Oliveira, e outra é só de Dalwton.
A faixa-título abre o disco e conta com um convidado especial, Zé Luiz Mazziotti. Acompanhado de piano e violoncelo, a voz macia do cantor desfia as “feridas que o passado esculpiu”, em clima nostálgico. O clima de bossa-nova saudosista marca a segunda faixa, Mais Que Sonhar, bem cantada por Kátia Freitas, e com belo desempenho nas cordas de Cristiano Pinho.
A balada A Quem Sonhou o Amor é interpretada com delicadeza por David Duarte, e prepara o clima para Uma Canção A Mais, um fox onde o veterano Rodger Rogério constrói um clima de boate, junto com o trompete de Ricardo Abreu e a guitarra de Hermano Faltz. Téti, claro, conduz a quinta faixa, Reinvenção, lembrando que “o tempo prende quem quiser/ lhe escapar/ lhe iludir”.
Gilmar Nunes é a voz da faixa de sabor pop Ao Pé do Ouvido. Eudes Fraga conduz O Compositor, e o próprio Rogério Franco interpreta O Que Virá, com o auxílio luxuoso de Nonato Luíz ao violão. Dispensando os vibratos, a afinada Paula Tesser retorna ao clima de bossa na nona faixa, Surpresas.
Mais sacudida, a canção Tudo é conduzida por Edmar Gonçalves, e prepara o clima mais telúrico de Vida-Sol, onde a percussão marca o arranjo de Ítalo Almeida, com um leve acento de maracatu. Calé Alencar entoa versos que convidam a “passear pelo ontem/ pelas faces de nossa cidade”. E o conjunto de doze canções é fechado por Cantarte, outra balada de letra melancólica, na voz de Paulo Cézar Oliveira.
É óbvio que as composições não “descrevem” o velho edifício, mas remetem a sensações e sentimentos que estão ligados à sua memória. Falam também de pessoas, de amores, de tristezas, ausências. Senti falta de faixas alegres, festivas, apaixonadas, pois isso também fez parte do microcosmo humano que povoou a histórica edificação. Imagine quantas traições, mentiras, declarações, gargalhadas, ódios e rancores também marcaram momentos no São Pedro!
Mas a opção do belo disco-objeto Futuro e Memória é outra, mais introspectiva. E, a partir do mote arquitetônico, estabelece relações entre artistas de variados calibres do edifício musical cearense. Não é pouco.