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A Filosofolia de Marquinho Mendonça

Por Daniel Brazil - 03/10/2006

Volta e meia vemos jovens músicos talentosos surgirem no cenário musical brasileiro. Mais difícil é vê-los se firmar, com linguagem própria e espaço definido. Naturalmente, poucos começam como solistas. É mais comum vê-los tocando com músicos mais experientes, participando de grupos, tocando em estúdios. Muitas vezes, fazem tudo isso ao mesmo tempo. O salto para o trabalho-solo não é fácil, e o resultado muitas vezes fica aquém do esperado, seja por uma produção apertada, por falta de maturidade artística ou até mesmo por precipitação.

Considerando tudo isso, é hora de jogar o boné para o alto e aplaudir com entusiasmo Filosofolia, o belo CD de estréia de Marquinho Mendonça. Figura conhecida do circuito independente paulista, o talentoso instrumentista está na estrada há um bom tempo. Estudou guitarra no Musicians Institute, em Los Angeles, mas não voltou americanizado. Pelo contrário!

Marquinho mergulhou profundamente nos ritmos regionais brasileiros, fundando bandas como a Mafuá, pesquisando com grupos como o Cachuêra! e Cupuaçu e tocando com músicos como Dominguinhos, Elba Ramalho, Alceu Valença, Oswaldinho e Tom Zé, no Brasil e na Europa. Além dos violões e da guitarra elétrica, abraçou também o cavaquinho e o bandolim, pesquisando o choro, o frevo e outros gêneros da rica jazida musical brasileira.

Seu lado virtuosístico se desenvolveu em trabalhos com vários parceiros, com destaque para a dupla com o excelente Renato Anesi. Também se apresentou com Yamandú Costa e aprendeu alguns truques com Ulisses Rocha. Em estúdio, gravou com inúmeros bambas, veteranos e emergentes. Quando sentiu que era hora, tinha um bom repertório de belezas próprias.

Para conseguir a sonoridade desejada, Marquinho chamou vários amigos de palco e estrada. E que amigos! Proveta, Toninho Carrasqueira, Naná Vasconcelos, Renato Anesi, Marcos Suzano, Luizinho 7 Cordas, Sizão Machado, Adriano Busko, Carlinhos Antunes, o pessoal da Barca, do Cupuaçu, da Mafuá. Renato Brás abre o disco com duas faixas em vocalise, Tião Carvalho arrepia na toada Dona Tá Reclamando, e Ney Mesquita deixa registrada a sua saideira em Fogueira Acesa/ Pele de Um Tambor. Sem falar dos arranjos de sopros de Laércio de Freitas e de Ademir Araújo, só pra chatear os amadores.

Marquinho Mendonça constrói um amplo arco de ritmos e sonoridades instrumentais. Tem seresta, tem choro, tem frevo, tem jongo, tem jazz latino, tem samba-jazz com toques de Espanha. E, por incrível que pareça, essa babel musical tem naturalidade e coesão.

É admirável a beleza melódica das composições, a destreza instrumental, a eufonia dos arranjos. Os momentos em que irrompem, vindos lá do fundo da massa sonora, uma toada maranhense ou um canto ancestral de jongo, tornam a audição um reencontro com o Brasil mais profundo. Fazendo ligações entre o universal e o típico, Filosofolia é um bom exemplo da bela tradição instrumental de nossa terra, com vários momentos emocionantes.

Um problema: o disco é tão independente que não se encontra em loja, não tem distribuição comercial. Só é vendido na porta dos shows. Assista ao vivo e saia com este momento exuberante de boa música nas mãos, em forma de CD. Ou tente o acesso direto, pelo www.marquinhomendonca.com.br. Vale a pena!